15 de out. de 2008

Curaçau

Quero comentar uma matéria – uma das várias interessantes que li numa pilha de Revista Geográfica Universal dos anos de 1980 e início dos 90, editadas pela Bloch, que o camarada Rafael Amorim me emprestou tempos atrás. Saiu no número de fevereiro de 1990, falando sobre a ilha de Curaçau, que forma o arquipélago da Antilhas Holandesas, no Caribe, a 60 quilômetros da costa da Venezuela.

Curaçau é conhecida como "A Pequena Amsterdã", por suas ruas e prédios que lembram a metrópole holandesa. E também é conhecida pelo seu licor: o Licor de Curaçau, mundialmente falsificado e multicor. A bebida original é feita (ainda hoje, pelo que sei) a partir do óleo da casca de uma laranja amarguenta, fruto da adaptação de uma laranjeira trazida pelos espanhóis, a Valença, e que sofreu alterações "fisiológicas" pelo clima e solo da ilha.

Bem, vocês sabem o que quer dizer "curaçau"?

Sim! Quer dizer "coração". Percebam que é muito parecido com o jeito (sotaque) que os portugueses ainda hoje falam a palavra "coração": “Oh, bela rapariga, meu curaçau é todo seu!”

Pois em Curaçau se fala uma língua onde há muito do português, o papiamento. Colonizada por holandeses e africanos, a cultura e a língua nativas de Curaçau tiveram influência de famílias judias (os chamados sefaradim) saídas do Brasil, fugindo da inquisição (perseguição da Igreja Católica) em nosso país, lá em meados do século XVII.

O papiamento tem também fortes origens em outro arquipélago, o Cabo Verde, entreposto de escravos africanos usados por Portugal – na época deste abjeto comércio –, depois levados para trabalhar na América. Além, entram elementos do inglês, espanhol e francês, além do holandês e português, que já mencionei. Essa língua "misturada" e única é oficial em Curaçau, ao contrário do que acontece nas outras ilhas do arquipélago, que adotaram o idioma do colonizador (ou invasor?).

Algumas expressões: “Bom bini”, quer dizer, “Bem-vindo”; “Masha danky, amigu”, significa “Muito obrigado, amigo.”

Há bancos e lojas em Willemstad, que é a capital do arquipélago, em Curaçau, com nomes e sobrenomes tipicamente luso-brasileiros, como Maduro Bank, Loja Leon, Nunes da Fonseca, Morão Henriques, Álvares Correa, etc.

Lá existe o distrito de Otrobanda, ou seja, “outra banda” ou “outro lado” – a zona residencial de Willemstad.

E observem o seguinte versinho: Dedé pikini (Dedo mindinho)/ Ku su bisinia (Com seu vizinho)/ Maior di tur (Maior de todos)/ Fula bonba (Fura-bolo)/ Y mata picow (E mata piolho).

Ocorre-me que a própria denominação "papiamento" pode derivar de "papear", conversar, assim como "parlamento" vem de "parlar", falar, entender-se, discutir, por aí.

Enfim, a língua de Curaçau é mais uma prova da "miscigenação" de culturas e, em particular, do vigor e amplidão da nossa muitas vezes desprezada língua portuguesa, usada por mais de 200 milhões de pessoas em Andorra, Angola, Brasil, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné-Bissau, Luxemburgo, Macau, Moçambique, Namíbia, Portugal, São Tomé e Príncipe, Índia, África do Sul e 20 outros países, sendo oficial em nove, conforme dados da Wikipédia.

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