8 de mar. de 2009

Nome famoso, mas pouco conhecido, Fontoura Xavier era cachoeirense, baudelairiano, tradutor de Shakespeare e viajou o mundo entre os séculos 19 e 20


Me chamou a atenção dias atrás uma reportagem que saiu no Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul. Falava de Fontoura Xavier (o nome completo é Antônio Vicente da Fontoura), nascido e criado aqui do lado, na "Capital Nacional do Arroz" - um dos primeiros povoamentos da região dos Vale do Rio Pardo e Central (estamos falando do Rio Grande do Sul). Achei interessante isso do cara ser - em pleno governo imperial - um republicano contestador, fã de Baudelaire e tradutor de gente como Poe e Shakespeare.

Viveu no Rio Grande do Sul (Cachoeira do Sul e Porto Alegre), em São Paulo, no Rio de Janeiro, nos EUA, na Suíça, na Argentina etc. Ou seja, uma cara que conhecia muita coisa e (literalmente) circulou o mundo na transição dos séculos 19 e 20. E pouco sabemos dele!

Na Wikipédia diz o seguinte:

Antônio Vicente da Fontoura Xavier (Cachoeira do Sul, 1856 — Lisboa, 1922) foi um jornalista, tradutor, poeta e diplomata brasileiro. Sua poesia é parnasiana, e foi fortemente influenciada pela obra de Charles Baudelaire. Entre 1876 e 1877 cursou a faculdade de Direito em São Paulo, mas não chegou a concluí-la. Entre os anos de 1874 e 1891, aproximadamente, colaborou nos periódicos Besouro, Gazeta de Notícias, Repórter e Revista Ilustrada, do Rio de Janeiro. Traduziu poemas de Edgar Allan Poe, Baudelaire, Jean Moréas, Sully Prudhomme e Shakespeare. Foi um dos fundadores, em 1880, do jornal Gazetinha, com Artur de Azevedo e Anibal Falcão. Foi redator do jornal carioca A Semana, em 1883. Em 1884, publicou o livro de poesia Opalas. Em 1887 lançou, no Rio de Janeiro, o panfleto em versos O Régio Saltimbanco, contra a monarquia. Entre 1885 e 1922 serviu como diplomata nos Estados Unidos da América, Suíça, Argentina, Guatemala, Inglaterra, Espanha e Portugal.

Eis a reportagem do jornal cachoeirense:


Jornal do Povo

ANO 80 - Nº 177 - Edição de Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2009

LITERATURA

Fontoura Xavier, por Machado de Assis

Mais célebre poeta cachoeirense teve trabalho analisado pelo mestre da literatura brasileira

Em 2006 completaram-se 150 anos do nascimento do mais célebre poeta nascido em Cachoeira do Sul, Antônio Vicente da Fontoura Xavier, ou simplesmente Fontoura Xavier, nome pelo qual ficou conhecido no meio literário. O cachoeirense, que também foi diplomata, é tido como o mais importante baudelairiano (estilo de Baudelaire, escritor francês) dentre os escritores brasileiros e o precursor do parnasianismo no Rio Grande do Sul. O que pouca gente sabe é que entre os críticos do trabalho do poeta já esteve ninguém menos que Machado de Assis, considerado o maior nome da literatura brasileira, autor de clássicos como “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro” e que mesmo antes de escrever suas obras consagradas já exercia o ofício de crítico literário. A época era a década de 1870, quando o país, ainda um império, vivia a turbulência de uma classe média que crescia nas cidades e desejava maior liberdade e influência na política do país, apoiando fortemente a ideia de uma república, o que já era realidade em vários outros países. Nesse meio estava Fontoura Xavier, que trocou Cachoeira do Sul por Porto Alegre aos 14 anos de idade e que poucos anos depois já estava cursando Direito em São Paulo e publicando suas ideias republicanas e abolicionistas através de colaborações em periódicos da cidade. A crítica de Machado foi baseada em alguns poemas que viu nestes periódicos, mais especialmente na sua primeira publicação individual, o livreto do poema “O régio saltimbanco”, considerado na época polêmico por criticar e satirizar o imperador Dom Pedro II e sua forma de governo. A principal crítica de Machado, em tom de conselho, diz respeito à influência política e social nos seus poemas, tida pelo crítico como exagerada e permeada de discursos e ideologias ultrapassadas. Ainda assim, Xavier é mostrado pelo autor como um talento de sua geração, portador de habilidades com a escrita e de grande ambição literária.

DEFESA - O médico Fernando Dias Campos Neto, 70, sobrinho-bisneto de Fontoura Xavier e que chamou a atenção sobre a crítica, acredita que Machado foi um tanto exagerado nas suas colocações, mostrando-se mesmo alienado do ponto de vista político. “Até porque”, completa, “Dom Pedro II era idolatrado por muitos e havia um certo preconceito sobre as posições socialistas de Xavier na época”. A historiadora Mirian Ritzel lembra que anos antes da proclamação da república, em 1884, Xavier mostrou em sua obra “Opalas” já estar dividindo seu discurso político com poemas mais intimistas e sentimentais e mesmo mostrando seus primeiros traços parnasianos. “No começo talvez estivesse sob efeito da juventude contestadora, mas depois teve contato com novos autores estrangeiros, chegando a traduzir a obra de alguns e deixando-se contaminar com novas ideias e estilos”, aposta.


TRECHO

O régio saltimbanco

Outrora quando um monstro, um César, um bandido,
Sentia o coração de rei prostituído
Pulsa-lhe sob o tédio, armado a gladiador,
Descia ao Coliseu - satânico de horror -
Para embeber sedento a cólera da hiena
No sangue dos plebeus a espadanar na arena.
Franqueava às multidões os pórticos reais
Desfeitas ao clarão das régias bacanais,
E dentre o tumultuar ciclópico do vício
O César engendrara um fogo de artifício.
Essa alma surda à voz do plectro coração
Queria mergulhar em chamas a paixão!
“Ao fogo!”
E em derredor, extático, surpreso,
O mundo via arder uma cidade em peso;
Enquanto descansava o rei nas alvas cãs
Nos braços ébrios, nus, das ébrias barregãs,
Co’a horizontal placidez medonha de um Cerbero!
Festins de Trimalcião e diversões de Nero.
Mas hoje o imperador tem outras ambições
Não desce a digladiar com tigres e leões
Nem arroja o seu nome ao nada, ao vilipêndio
Com Roma ao crepitar o fantástico incêndio...
P’ra dar o nome ao sec’lo, ao povo, a u’a nação
Atira-se a uma praça e sagra-se histrião!
É outro Coliseu: mais vasto, mais fecundo
Tem Roma por cenário e por platéia o mundo.
É mais variada a festa.
A um tempo o imperador
É sábio, poliglota, artista e professor,
Acróbata, truão, frascário, rei e mestre,
D. Juan, Robert, Falstaff e Benoiton eqüestre.
Oh! deve ser imenso, esplêndido o festim
Onde vai exibir-se o célebre arlequim,
Colher, longe da pátria, além, n’outro horizonte.
Mais um florão gentil que orne a heróica fronte.
A Roma meretriz essa imortal galé
Que um deus acorrentara a um poste
Santa - Sé,
Heróico vencedor, colérico, iracundo,
Temendo em saturnais lhe submergisse o mundo
Dir-se-ia que olvidou a prece do cristão
Para entregar-se nua ao novo Trimalcião
Que ouviu novo estertor de servos gladiadores
Na liça triunfal de vis batalhadores
E ergueu-se dos lençóis do papa
Mastaí Bradando à Religião:
“Ao Circo! eu não morri!”
E santo e majestoso e nobre e gigantesco!

Fontoura Xavier


IMPORTANTE

Nem Mirian Ritzel nem a historiadora Ione Carlos tinham conhecimento da crítica de Machado, que junto a outras tantas foi compilada sob o título de “Obras completas” em 1936. No material de pesquisa do Museu Municipal referente a Fontoura Xavier foram encontradas apenas duas menções sobre tal crítica, sem referências. Há também uma menção a uma visita do poeta a Cachoeira do Sul em outubro de 1906, quando o então cônsul-geral do Brasil em Nova Iorque visitou a cidade natal junto ao senador cachoeirense Ramiro Barcelos, ficando Xavier hospedado na casa do irmão, na Rua 7 de Setembro, número 9.


A CRÍTICA DE MACHADO

Integrante do texto “A nova geração”, publicado no periódico Revista Brasileira em dezembro de 1879

“Sinto que não possa dizer muito do Sr. Fontoura Xavier, um dos mais vívidos talentos da geração nova. Salvo um opúsculo, este poeta não tem nenhuma coleção publicada; os versos andam-lhe espalhados por jornais, e os que pude coligir não são muitos; achei-os numa folha acadêmica de S. Paulo, redigida em 1877, por uma plêiade de rapazes de talento, folha republicana, como é o Sr. Fontoura Xavier. Republicano é talvez pouco. O Sr. Fontoura Xavier há de tomar à boa parte uma confissão que lhe faço; creio que seus versos avermelham-se de um tal ou qual jacobinismo; não é impossível que a Convenção lhe desse lugar entre Hebert e Billaut. O citado opúsculo, que se denomina ‘O régio saltimbanco’, confirma o que digo; acrobata, truão, frascário, Benoiton eqüestre, deus de trampolim, tais são os epítetos usados nessa composição. Não são mais moderados os versos avulsos. Se fossem somente verduras da idade, podíamos aguardar que o tempo as amadurecesse; se houvesse aí apenas uma interpretação errônea dos males públicos e do nosso estado social era lícito esperar que a experiência retificasse os conceitos da precipitação. Mas há mais do que tudo isso; para o Sr. Fontoura Xavier há uma questão literária: trata-se de sua própria qualidade de poeta. Não creio que o Sr. Fontoura Xavier, por mais aferro que tenha às idéias políticas que professa, não creio que as anteponha asceticamente às suas ambições literárias. Ele pede a eliminação de todas as coroas, régias ou sacerdotais, mas é implícito que excetua a de poeta, e está disposto a cingi-la. Ora, é justamente desta que se trata. O Sr. Fontoura Xavier, moço de vivo talento, que dispõe de um verso cheio, vigoroso e espontâneo, está arriscando as suas qualidades nativas, com um estilo, que é já a puída ornamentação de certa ordem de discursos do Velho Mundo.Sem abrir mão das opiniões políticas, era mais propício ao seu futuro poético exprimi-las em estilo diferente - tão enérgico, se lhe parecesse, mas diferente. O distinto escritor que lhe prefaciou o opúsculo cita Juvenal, para justificar o tom da sátira, e o próprio poeta nos fala de Roma; mas, francamente, é abusar dos termos. Onde está Roma, isto é, o declínio de um mundo, nesta escassa nação de ontem, sem fisionomia acabada, sem nenhuma influência no século, apenas com um prólogo de história? Para que reproduzir essas velharias enfáticas? Inversamente, cai o Sr. Fontoura Xavier no defeito daquela escola que, em estrofes inflamadas, nos proclamava tão grandes como os Andes - a mais fátua e funesta das rimas. Ni cet excès d’honneur, ni cette indignitè. Não digo ao Sr. Fontoura Xavier que rejeite as suas opiniões políticas, por menos arraigadas que lhas julgue, respeito-as. Digo-lhe que não deixe abafar as qualidades poéticas, que exerça a imaginação, alteie e aprimore o estilo e não empregue o seu belo verso em dar vida nova a metáforas caducas; fique isso aos que não tiverem outro meio de convocar a atenção dos leitores. Não está nesse caso o Sr. Fontoura Xavier. Entre os modernos é ele um dos que melhormente trabalham o alexandrino; creio que às vezes sacrifica a perspicuidade à harmonia, mas não é único nesse defeito, e aliás não é defeito comum nos seus versos, nos poucos versos que me foi dado ler”.

*FONTE: www.jornaldopovo.com.br/2007/noticia_detalhe.php?intIdConteudo=107367%26intIdEdicao=1828
**Ilustração: capa da "REVISTA AMERICANA – Publicação Scientifica, Artistica e Litteraria", deSetembro e Outubro de 1878, onde Fontoura Xavier colaborou, junto com Alberto d’Oliveira; Ezequiel de Macedo; Franklim de Lima; Frederico Severo; José do Patrocínio; Lins d’Albuquerque; Lopes Trovão; Luís Leitão; Luiz Zamith; Mário; Pedro Ivo; Rodolpho Paixão; Theophilo Dias; Urbano Duarte. FONTE: www.assis.unesp.br

Um comentário:

Paulo Vieira disse...

E nem se falou na homenagem que seu amigo Ernesto Ferreira Maia sugeriu quando da criação de um novo Município no Rio Grande do Sul, ainda na década de 60 do século passado. O hoje Município de Fontoura Xavier localizado no alto do vale do taquari.