15 de mar. de 2009

A Medusa que valsa em Santa Cruz do Sul: romance de Valesca em terceira edição – pra ninguém deixar de ler



Anos atrás, quando li pela primeira vez o A Valsa da Medusa, lá por 2001, da Valesca de Assis, fiquei tão impressionado que desatei a anotar passagens. O romance saiu originalmente em 1989 – uma estréia de uma escritora já madura e habilidosa, como comenta Antonio Hohlfeldt na apresentação da obra.

Mas além de todo o clima produzido pelo desenrolar da história (ou das histórias), estava a me “causar espécie” o contexto da narrativa toda: tratava-se de Santa Cruz do Sul nos primórdios da colonização germânica na região, ou seja, os anos 50 do século XIX – quando, por Rio Pardo, passando pelo Faxinal do João Faria, adentrando por picadas nos loteamentos rurais mandados construir e bancados pelo governo provincial, assentavam-se gente humilde vindas de uma fria e convulsionada Europa, dentro de um projeto que ao mesmo tempo podia aliviar tensões sociais no “Velho Continente” e levar adiante uma política de ocupação e desenvolvimento do território brasileiro baseado na mão de obra “branca”, tida, na concepção racista em vigor (e ainda ecoando, infelizmente), como “salvadora do país”...

E um “detalhe” fundamental no romance de Valesca que me interessou intensamente: Não se tratava de uma apologia simplista do “loiro imigrante” e da “bravura alemã”, como cantado no hino santa-cruzense, marginalizando e estripando um processo social e histórico cheio de desdobramentos e vinculações. Não era uma “babação de ovo” de uma figura mitificada, “o colono”, como seguido caem até mesmo historiadores e outros intelectuais formadores de opinião. O livro a Valsa da Medusa, então lido sofregamente, humanizava essa gente e incluía mulheres, crianças, adolescente e velhos, além de personalidades fora da saga racistóide costumeira. Havia ali dramas e cotidianos “reais”, e não uma ladainha germanófila – embora demonstrasse a coragem, o risco, o empenho de milhares de pessoas que atravessaram o oceano e se meteram em densas florestas rio-pardenses, buscando aquilo que nos move a todos: FELICIDADE. Sim, ser feliz, em primeiro lugar, e não essa engrolação de “trabalho e progresso”, que só serve para discurso hipócrita e enfadonho de horas cívicas – mas que acabam pautando e justificando privilégios étnicos absurdos, violentadores.

Eu li um volume roto que estava disponível na biblioteca da Unisc. Depois, num balaio, fiz uma daqueles surpreendentes achados: ali estava um exemplar novinho da 1ª edição – que depois, nesses empréstimos que a gente faz, acabou se perdendo (desde que esteja sendo usado e repassado, não me importo). Mas em todas as rodas e conversas que se chega ao assunto de literatura e história local, lá vou eu a puxar a obra da minha amiga querida – uma amizade construída justamente pela minha empolgação pela A Valsa...

Além das anotações, escrevi logo após a primeira leitura um comentário, um pequenino ensaio sobre o livro, adaptado-o para a publicação em sessão de opinião de jornais da cidade. Uma cópia de um dos textos, através de alguém que recortou e levou a Valesca – passando antes pelo também excelente escritor e marido da própria, o Luiz Antonio de Assis Brasil –, fez iniciar um contato que dura até hoje. Que maravilha foi isso – fazer amizade através de um texto!


Agora, neste março de 2009, saiu a terceira edição revisada. Muito boa! Recebi pelo correio da sempre gentil e amorosa Valesca. Fez a punho uma dedicatória bonita e imerecida. Mas que me alegrou muito.

Ninguém que goste de literatura e história deve ficar sem ler A Valsa..., que supera em muito várias obras que prentendem contar a história santa-cruzense. Aqueles que são ligados a Santa Cruz do Sul – como nascidos ou moradores do município, por exemplo –, mais ainda devem se atentar, porque só têm a se enriquecer. Valesca é “filha da terra” e fala “de cadeira”. Nutriu-se de vivências pessoais e conhecimentos diversos, incluindo conversas com o falecido Hardy Martin, entusiasta da historiografia local – mesmo considerando o seu viés e caráter leigo de seu trabalho historiográfico –, fundador do museu e arquivo histórico do Colégio Mauá, além de “Indiana Jones” da arqueologia local, junto com outros pioneiros, como o professor Mentz Ribeiro, fundador do Centro de Pesquisas Arqueológicas (Cepa) da Unisc.

Para falar um pouco mais desta nova edição, uso o que escreveu Leonardo Brasiliense – outro escritor excelente, premiado com o Jabuti em 2007:


“(...) Valesca de Assis retoma seu primeiro livro e nos reapresenta este impressionante A Valsa da Medusa. (...) O cenário é a colônia de Santa Cruz do Sul, no centro da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, na segunda metade do século XIX. E não há como descrever com maior sensibilidade estética os obstáculos, as motivações e os conflitos psicológicos desses imigrantes alemães [entre outros personagens, acrescentaria, fora dessa designação] que o construíram [em conjunto e no contexto amplo da região de Rio Pardo, já ocupada – caso do Faxinal do João Faria, embrião da colônia de Santa Cruz – por outros grupos assentados e itinerantes, inclusive na própria selva – onde havia quilombolas e indígenas – e onde foram abertas as picadas e loteada a área com o trabalho de negros, sob a coordenação de servidores com origens lusas, pagos com recursos estatais]. No meio disso, a paixão inoportuna, impertinente, inadequada, no sentido mais rigoroso de cada um dos termos, entre uma mãe de família e o professor de seus filhos, solteiro. (...) A tensão humana captada (...) golpeando a alma do leitor (...) nesta valsa que provavelmente nunca aprendemos a dançar sem tropeços.”



*REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


A valsa da medusa

Romance

Valesca de Assis

Terceira edição revista

Março de 2009

Editoras Movimento e Edunisc


**BIOGRAFIA

Natural de Santa Cruz do Sul, nasceu em 1945. Residiu em diversas cidades do interior do Estado. Em Porto Alegre, cursou a Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de História especializada em Ciências da Educação, atuou, por diversas vezes, em atividades culturais.

Dedica-se atualmente à literatura, ministrando oficinas com ênfase no desbloqueio para a escrita criativa, tanto intensivas quanto extensivas.

Estreou como escritora em 1990, com a publicação de A valsa da medusa (Ed. Movimento, 1990, ora em terceira edição em parceria com a Edunisc), obra que recebeu Voto de Congratulações da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

Publicou o romance A colheita dos dias (Movimento, 1992, também em segunda edição), O livro das generosidades - receitas compartilhadas (Artes & Ofícios, 1997), Harmonia das esferas (WS Editor, 2000), PRÊMIO APCA/2000: REVELAÇÃO DE AUTOR (Associação Paulista de Críticos de Artes), Prêmio Especial do Júri da União Brasileira de Escriores (2002) e finalista do Prêmio Açorianos, além de além Todos os meses (AGE, 2002), Prêmio AGES/Livro do Ano/2003, para Crônica, de Diciodiário (Artes & Ofícios, 2005), Prêmio O SUL-Nacional e os Livros 2005, para a coleção GRILOS.

Em 2008 lança Vão pensar que estamos fugindo! - a história de uma viagem quase impossível (Bestiário).

Participou, ainda, de diversas antologias, dentre elas: A cidade de perfil (org. Sérgio Faraco, UE, 1994), Nós, os teuto-gaúchos (org, Luís A. Fischer e Renê Gertz, Ed. UFRGS, 1996), Crônica & Cidade (org. Ivette Brandalise, PMPA-CRL, 1997), Receitas de criar e cozinhar (org. Patrícia Bins e Dileta Silveira Martins, Bertrand Brasil, RJ, 1988), O livro das mulheres (org. Charles Kiefer, Mercado Aberto, 1999), O João Carlos (org. David Coimbra, clicRBS, 2000, Capítulo 8), Meia encarnada, dura de sangue (org. Ruy Carlos Ostermann, Artes&Ofícios, 2001), Contos de Bolso (Casa Verde, 2005), Contos de Bolsa (Casa Verde, 2006), Contos de Algibeira (Casa Verde, 2007) e Antologia de contistas bissextos, org. por Sérgio Faraco (L&PM, 2007).

Foi Membro e Presidente do Conselho Estadual de Cultura.

FONTE: http://www.valescadeassis.com

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