4 de mar. de 2009

O footing na Imigra

Numa reportagem saída no jornal Zero Hora em 2006 (13/04, p. 60), sobre o centro de Porto Alegre nos anos de 1930, o engenheiro Paulo Ricardo Levacov, de 83 anos, menciona o footing que se dava na antiga Rua da Praia, ou Rua dos Andradas, da capital gaúcha:

“As moças, bem vestidas e com chapéus, desfilavam pelas calçadas, e os rapazes permaneciam parados na rua, olhando para elas.”

E não é como acontece hoje em locais como a “Imigra”, ou Avenida do Imigrante, aqui no centro da cidade de Santa Cruz do Sul?

Óbvio que há elementos diferentes, como o fato de que as moças não necessariamente são as que “desfilam”. Mas, em essência, é isso: moças e rapazes sobem e descem à avenida – aliás, apropriada para isso, com seu passeio central e duas pistas para automóveis, uma de cada lado, a que “sobe” e a que “desce”, tudo arborizado, com bancos, etc. – mostrando-se, olhando-se, analisando-se, flertando e encaminhando, mais tarde ou outro dia, talvez, “ficadas”, namoros e, até – quem não sabe de um caso ao menos? –, casamentos!

Parece se tratar de um atavismo das urbes de todos os tamanhos. Qual cidade não tem seus locais de footing? Nas pequenas, continuam as praças sendo locais comuns do “velho e bom” footing. Em cidades maiores, vemos os shoppings se transformarem em locais desses jogos de convívio e tentativa de sedução.

A palavra deriva do inglês – “passeio a pé” –, mas que tem o sentido de “evento costumeiro transcorrido em locais específicos normalmente a céu aberto onde os participantes são ao mesmo tempo atores e espectadores”.

Mas já ouvi várias vezes usarem a expressão pejorativa “bobódromo” para se referir ao trânsito de pessoas, carros, motos bicicletas (e às vezes até cavalo!) na Imigrante nos finais de semana e feriados. Entrementes, “bobódromo” parece ser dito com aquele amargor advindo de frustrações particulares ou admoestação carola, suponho. Às vezes acho que parte de uma desconsideração quanto a necessidade de haver meios de interação social, em especial para a juventude.

Voltando as características do footing numa Santa Cruz já adentrada no século 21, há ali todo um conjunto de características próprias do mundo e da cultura juvenis contemporâneas. Equalizados alguns conflitos – caso do volume do som abusivo e algazarras que extrapolam horários de descanso nos edifícios e casas residenciais nas proximidades –, não vejo motivos para tolher algo fundamental na sociabilidade ou, mesmo, na “saúde mental coletiva” santa-cruzense.

Concebo que, ao contrário do que alguns insistem, reprimir o footing de adolescentes e jovens na Imigrante é só aumentar as carências e frustrações que levam ao consumo compulsivo de drogas – das legalizadas e das ilegais –, entre outros problemas ainda maiores.


*O professor Deonísio da Silva, na revista Caras, disse sobre o footing:

Footing: do inglês footing, ir a pé, de foot, pé. A palavra, que ainda não sofreu aportuguesamento, entrou para as expressões brasileiras para designar passeio a pé, com o fim de espairecer ou fazer um exercício físico moderado, constituído apenas do caminhar, sem esforço. Antigamente, nas pequenas cidades, o footing tinha um objetivo adicional ou talvez mesmo preferencial: o flerte. As moças saíam a caminhar e eram observadas a distância ou de perto por pretendentes a namorá-las. Por metonímia, a palavra passou a denominar também o lugar onde eram feitas essas caminhadas. O costume foi muito bem sintetizado pelo escritor Moacir Japiassu (65) no livro Carta a Uma Paixão Definitiva (Editora Nova Alexandria): “Havia footing nas pracinhas, as meninas passeavam de braços dados e os meninos olhavam. Risadas, pequenas sem-vergonhices. Passavam-se semanas até que o rapaz dirigisse o primeiro olá à sua eleita. Haroldo demorou oito meses para abordar Julita Cruz. Na noite tão angustiadamente escolhida e esperada, a desejada moderou o passo e o apaixonado disse-lhe, gaguejante: 'Tás passeando?'(...) Talvez em cinco, dez anos, estivessem casados". FONTE: www.caras.com.br

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