6 de mar. de 2010

Dois caras


SALINGER

“...aquela guriazinha que ainda não tinha aprendido a maldade do mundo, essa que o leitor e eu já aprendemos e que nos fez ficar desse jeito, de vez em quando cínico, muitas vezes frio e calculista, quase sempre triste.”

A frase é de um artigo muito legal do Luís Fisher no caderno Cultura de ZH (30/01/2010). Ele se refere à personagem Phoebe, irmã de 10 anos do adolescente Holden Caufield no romance O Apanhador no Campo de Centeio, do recentemente falecido J.D. Salinger - escritor que desde os meados de 1960 se isolou em sua casa nos EUA; um cara que teve todo sucesso do mundo, com dinheiro suficiente para valer-se de todos os meios e símbolos desse sucesso representado pelos chamados “bens terrenos”, mas que, de algum modo, absteve-se deles e fez sua vida andar por outros caminhos.

O romance continua, 60 anos depois da sua primeira publicação, vendendo 250 mil exemplares por ano. E é um dos que eu tirei da minha lista de “clássicos a ler” já faz alguns anos (li no embalo, na época, outras coisas do autor, que não me pareceu tão empolgante quando O Apanhador).

Acho que era o Betão quem falava desse livro, junto com O Despertar dos Mágicos, que, coincidentemente, estou agora mesmo lendo aos pedaços.

Pois é. São dois “paradigmas”, que desencadearam revoluções ao apresentar e endossar publicamente interesses, enfoques e comportamentos divergentes. E até hoje são lidos pra caramba, mesmo datados (o começo dos anos 50, no caso de O Apanhador, e dos 70, de O Despertar).

Não sabia: Salinger esteve na segunda Guerra e foi um dos primeiros soldados americanos a entrar em campos de concentração. Isso deve ter tido “algum” efeito, até porque ele que era meio judeu.


VINÍCIUS

Os saudosos da ditadura militar brasileira de 64 devem detestar quando sabem coisas como: Vinicius de Moraes deverá ser promovido postumamente a embaixador brasileiro. Bá!

O “poeta e diplomata”, como se definia, perdeu a sua segunda condição com a expulsão do Itamaraty, com o famigerado AI-5. Não foi só ele. O ano era 1968 e as alegações para o degredo poderiam ser “simpatias esquerdistas, homossexualismo, boemia e alcoolismo”. As duas últimas condenaram um dos mais geniais pensadores, escritores e compositores (e tomadores de whisky) do Brasil a uma situação ultrajante, que agora poderá - ao menos simbolicamente - ter alguma reparação.

Expulsões sumárias de funções públicas foram apenas uma das facetas da ditadura. Quando percebemos que atingiu um cara como Vinicius, é suficiente para indicar o nível do trogloditismo e mediocridade do pessoal envolvido no golpe e seus longos 20 anos de duração - nos quais muito de nós viveram suas infância e juventude.

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