28 de dez. de 2012

Semente do amanhã - 2013, o mundo sempre está começando!

Deixo aqui a minha mensagem para 2013, na forma da letra de uma canção clássica do Gonzaguinha (mas parece que a letra é do Erasmo Carlos), que colo ali abaixo.

Em tempos de “fim de mundo”, de um comercialismo desenfreado, de um Natal vazio de reflexão, a canção diz muito em sua simplicidade, sem apelos místicos, mas cheia de confiança e boa-vontade.

Abraços e felicidades a todo mundo!

Iuri


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SEMENTE DO AMANHÃ

Ontem um menino que brincava me falou
que hoje é semente do amanhã...

Para não ter medo que este tempo vai passar...
Não se desespere não, nem pare de sonhar

Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs...
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá!

Nós podemos tudo,
Nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será


***Fonte da letra e link para um vídeo da canção: http://letras.mus.br/gonzaguinha/280650/

Santa Cruz: história, nostalgia e germanofilia

Compartilho com vocês alguns comentários que fiz com outras pessoas:

Paralelo ao meu gosto por literatura e ao que se refira a, digamos, questões sociais, tenho uma militância já de 12 anos no campo da promoção da comunidade negra aqui em Santa Cruz, iniciada lá no Coletivo de Estudos e Debates Étnico-Culturais (Cedecs), que foi dar no GT-Afro (Grupo de Trabalho pela Promoção da Comunidade Negra), que puxou e colaborou bastante na construção do COMPIR, hoje lamentavelmente, na prática, extinto por “obra” da própria administração municipal, produzindo um desestímulo geral na mobilização em prol da valorização e inserção cultural e socioeconômica do povo negro.

Pois esse interesse me fez acompanhar o que saía e sai na imprensa local, desde que vim morar em Santa Cruz, lá pelo ano 2000. Obvimante, lia as crônicas do Guido Kuhn.

De fato, seus textos eram muito atraentes; havia um sabor agradável, dado por uma abordagem nostálgica e paroquial, falando do “nosso passado”, das “nossas coisas” e da “nossa gente” –  e aí começavam os problemas: que passado, coisas e gente eram essas?

Assim, mesmo admirando a capacidade de escrita e a sedução das palavras, não comungava com uma certa postura/concepção que emanava dos seus textos, ou seja, uma essência germanófila, aquém do que eu sempre espero de alguém que pretenda-se ou repute-se um pensador/narrador da transição dos séculos XX para o XXI, mesmo quando fala da sua aldeia, como propalava Tolstói.

Guido tem sua importância, sim, mas não pode ser louvado acriticamente, sob pena de endossarmos um discurso etnicamente apologético e excludente, calcado numa historiografia romântica, “edificante”, moralizadora e, sobretudo, definidora dos “donos do pedaço”. E nesse sentido, os romances (ou seja, as ficções) dos santa-cruzenses Wilson Muller, “Pequena História de Amor”, e de Valesca de Assis, “Valsa da Medusa”, são muito mais ricos ao falarem do passado de Santa Cruz, e, aí sim, à altura de uma proposta “tolstoiana” de “pintar (ou contar) a sua aldeia para ser universal”.

Apresentei para própria prefaciadora a minha “ressalva”. Escrevi, repetindo o argumento acima, que, “mesmo gostando de ler e achando interessante várias abordagens do Guido em suas crônicas, sempre o critiquei respeitosamente pelos seu viés germanófilo, reforçando uma historiografia e cultura santa-cruzenses por demais romantizada, apologética e calcada numa visão etnicamente subalternizadora de outros grupos formadores da grande comunidade santa-cruzense, ‘esquecendo’ que a história real começa com o povoado conhecido como Faxinal do João Faria (sesmeiro estabelecido com sua parentela, agregados e trabalhadores negros escravizados onde hoje é o centro da cidade), décadas antes da introdução (em 1849) dos sem-terra teutos (nenhum era propriamente de nacionalidade alemã nas primeiras levas, já que sequer existia o país Alemanha até 1871) no loteamento estatal (provincial) de Linha Santa Cruz (Picada Alta) – originalmente um caminho indígena e imediações de pequenos quilombos espalhados pela serra santa-cruzense”. Complementei, dizendo que “temos uma história rica, diversa, complexa que costuma ser soterrada por mitologias de quintal. Mesmo que com textos saborosos (quase sempre saudosos), considero o Guido uma espécie de ‘intelectual orgânico’ (no sentido gramsciano [Antonio Gramsci, pensador italiano]) da germanidade, para mim um flerte semiconsciente (e impontente, por seu pequeno alcance em um mundo com tantos outros atrativos, especialmente aos jovens) com ideias como o arianismo”.

Não houve resposta.

Não li o livro. Quero fazê-lo. É sempre importante organizar os trabalhos de escritores locais. Não esquecendo que Guido Kuhn, assim como Monteiro Lobato, são, sim, “homens do seu tempo”. Não necessariamente “na altura” do seu tempo – porque os tempos onde viveram estas pessoas (ao menos em parte) – já no meio ou no pós-Segunda Guerra – já exigiam posturas integradoras, de rompimento com preconceitos, abarcando a complexidade do mundo. E por isso não podem ser lidos sem se considerar limites ideológicos, de formação, que povoam suas (nossas) mentes. Lobato, por exemplo, filiava-se as concepções da eugenia, pseudociência que preconizava a “purificação da humanidade pelo seleção de raças” (brancas, é claro!) e expressou seu preconceito em várias partes de suas obras (inclusive as infantis, como Caçadas de Pedrinho) e em escritos não-literários, como cartas a amigos.

Todos nós dificilmente escapamos das ideologias dos nossos tempos, que nos moldam. Por isso, não dá para endossar e, até, endeusar (ou idealizar) o que é obra humana. Por mais querido que possa ser, Guido e seus escritos não fogem de uma visão de mundo longe de ser aberta, abarcando a complexidade do mundo em que vivemos e da própria existência humana. Em Santa Cruz do Sul, não somou para a construção e valorização da pluralidade étnica e uma historiografia local mais realística (menos apologética) e abrangente; pelo contrário, postulou, direta ou indiretamente, por uma germanidade local exclusivista e idealizada. É a minha opinião.

“163 anos de imigração” e muita gente esquecida

Iniciativas locais para relembrar o passado podem ser muito boas. O problemas são as apologias, que, ao mesmo tempo que louvam alguns feitos – esquecendo que, na história humana, também sempre há, em meio a virtudes, vilanias, perfídias, fracassos –, não se referem a complexidade dos fatos e subalternizam outros grupos, mesmo que sem a intensão deliberada.

Uma das complexidades patroladas por aqui é – só para começo de conversa – o do termo germânico. “Magicamente”, se homogeneíza e pasteuriza o que foi uma diversidade de povos europeus e outras singularidades de grupos, pessoas, contextos sociológicos, históricos etc. que empurraram milhares de pessoas para o Brasil a partir de meados do século XIX, para falarmos do início dos planejados assentamentos rurais aqui no Vale do Rio Pardo.

E qual o objetivo disso? Da homogeneização e pasteurização? Ora, fomentar o turismo... E, enfim, inconfessadamente, o (pre)domínio étnico-político no município, é claro!

Isso já foi exposto muitas vezes, mas o efeito ainda é pequeno e entristece ver-se o nível de nossa reinante mediocridade no campo historiográfico e simbológico, contradizendo até mesmo como hoje se estuda a história da Brasil e mundial no nosso ensino fundamental, ou seja, criticamente.

Recentemente, em um convite para um evento de “163 anos da Imigração”, que ocorreria em Linha Santa Cruz, o texto, ao reforçar o relato sobre a “origem germânica” da localidade – e por extensão (o “mito fundador”), de toda Santa Cruz do Sul – não menciona, por exemplo, que o primeiro nome conhecido de Linha Santa Cruz não é “Alte Pikade”, e, sim, Picada do Abel, referência ao tenente-coronel Abel Corrêa da Câmara, que, através de seu capataz, Delfino dos Santos Morais (MÜLLER, 1999), abriu a estrada (picada) entre o Faxinal do João Faria (povoado muito anterior a Linha Santa Cruz) com a região serrana, ligando, assim, esta parte do planalto com a cidade de Rio Pardo e o seu importante porto à época (MENEZES, 1914). E não esquecendo que toda a região era habitada, desde tempos imemoriais, por vários grupos indígenas (RIBEIRO, 1993) e, inclusive, o caminho da Picada do Abel foi traçado provavelmente com referências a trilhas indígenas usadas por séculos. Também o texto não menciona que o profissional que executou o loteamento rural de Linha Santa Cruz, um projeto do governo provincial do Rio Grande do Sul (financiado com recursos públicos gerados, inclusive, pelo trabalho escravo), tinha também um significativo nome, aludindo a uma inequívoca luso-descendência, o engenheiro Frederico Augusto de Vasconcelos Almeida Pereira Cabral (MÜLLER, 1999).

Há alguma homenagem ou mesmo leve referência a tais personalidades e aos trabalhadores acaboclado e negros que colocaram a mão na massa na abertura das primeiras picadas, pontes, os lotes e outras infraestruturas, incluindo muito especialmente em Linha Santa Cruz, a antiga Picada do Abel? Não, obviamente. E aí está a um reiterado exemplo da estratégia (consciente ou inconsciente) de reduzir a história santa-cruzense a uma apologia monoétnica, social e intelectualmente empobrecedora, além de traidora da verdadeira teuto-brasilidade, transformada na caricatura bizarra ao ser representada por coisas como a Oktoberfest (KOTHE, 2001).

Até quando vamos ficar contando a história e desenvolvimento de Santa Cruz de um jeito tão limitado, tão discriminador, tão deturpado? A Associação de Moradores de Linha Santa Cruz, promotora do evento alusivo aos “163 anos de Imigração” (19/12/12), tem dado provas de estar a serviço de tal “simplificação” bastante questionável. Sim, é possível e bom homenagear. Mas podemos pensá-la de um jeito mais abrangente, e de uma forma que realmente fomente a integração comunitária ao invés de uma germanofilia mal disfarçada, além de artificial.

27 de dez. de 2012

Mãos - podem não ser divinas, mas são fantásticas!

Outra reportagem da National Geographic Brasil para a gente ficar fascinado. Não, não é sobre alguma paisagem exuberante, uma ilha paradisíaca, o boto cor-de-rosa no Amazonas ou leões caçando na África. É sobre... a mão humana – e a sua ligação com as “mãos” de outros animais. O número de dedos, o número de ossos, suas articulações; o pulso, antebraço e braço têm tanta similaridades, que é impossível não ver evidenciado uma ancestralidade comum entre uma gama de animais, de golfinhos, passando por gatos, elefantes, morcegos e rãs (afora as estruturas menos similares, com os pés de pássaros etc.).

“A mão é o elo entre a nossa mente e o mundo”, diz a primeira linha da reportagem de Carl Zimmer, magnificamente ilustrada por Bryan Christie, saída na edição de maio de 2012 da revista. Lá pelo meio da matéria, Zimmer escreve: “Nossas mãos começaram a evoluir, pelo menos 380 milhões de anos atrás, de nadadeira musculares e encorpadas de parentes extintos dos atuais peixes dipnoicos,  aqueles dotados de bexiga natatória”.  Ele nos conta que houve mãos as mais exóticas imagináveis (ou inimagináveis). Por volta de 340 milhões de anos atrás, ou seja, 40 milhões de anos depois de ter iniciado a sua evolução o formato de cinco dedos se consolidou em alguns animais, resultando nas mãos e patas de diversos mamíferos, cada qual com características tão “geniais” e complexas quanto úteis (ou imprescindíveis) para a sobrevivência específica em determinados meios.

Para quem tem uma resistência à ideia de que “descendemos do macaco” – uma simplificação bisonha, nem de toda improcedente (já que derivamos de primatas, nós humanos, chimpanzés, gorilas...), mas que, por supostamente nos “diminuir” (os humanos e sua arrogância, feita a partir de histórias de “imagem e semelhança” a um Todo Poderoso criador de Tudo); pois alguns negam categoricamente tal cadeia de relações, ou acreditam que haja algum sopro divino em algum ponto da história, singularizando os humanos. (O mais grosseiro [ou infantil] nessas “hipóteses” é a de termos surgidos como coelhos puxados por uma mágico de em uma cartola...)

OK. Somo filhos do Manda-Chuva Mor. Tudo para nos acharmos o último bombom da caixa! O mais delicioso, desejado, raro, único... O que não fazemos para proteger este nosso pobre e esfumaçante ego esmagado pelo peso do cosmos?!

Mas o que importa é dizer que, sim, as mãos são uma maravilha da natureza. Nem por isso precisamos definir que tal estrutura fantástica decorra de “algo transcendental”. Por que não considerar que, mesmo com este fabuloso corpo que temos, ele é naturalmente limitado – incluindo nosso aparato cerebral – , sendo precipitado qualquer conclusão ad aeternum, dogmática, fechada, imutável. Trata-se, na minha opinião, de puro medo e ansiedade – medo e angústia de não ter uma resposta cabal; da impaciência em aguardar, antes de “concluir” com alguma “verdade final”; uma certa angústia em se manter à procura; quem sabe não haja logo adiante algum “pulo do gato” que nos faça “ver mais”, subvertendo, como temos feito seguidamente, os nossos limites físicos e biológicos, desafiando-os com ousadias de um Prometeu, do mito grego, ou de um Anjo Caído, da mitologia judaico-cristã.

Muitas vezes temos quebrado a cara e posto em perigo a própria existência. Mas lampejos nos levam, pelo estudo metódico e a sensibilidade alerta, a transcender fronteiras aparantemente intrasponíveis até ontem (hoje já se opera fetos no útero das mães, entre outras coisa ainda mais improváveis).


***A dimensão da fantasia, do fantásticos, do mítico, da imaginação, do próprio devaneio, da especulação aparentemente mais descabida são fundamentais para construirmos as explicações – sempre tentativas, mesmo as “científicas”, já que precisamos considerar todas as indicações de nossas naturais limitações enquanto mamíferos habitando este ecossistema terreno, tendo um cérebro moldado a quase perfeição (como as mãos!) para nossas primatas necessidades de sobrevivência, mas que, miraculosamente, abriu “fendas” para espiarmos uma imensidão “incomensurável”, como disse Thomas Kuhn, o cara do “A Estrutura das Revoluções Científicas”, que popularizou o hoje quase abusado termo “mudança de paradigma”.

13 de dez. de 2012

E o papa tuitou

Uma amiga me repassou a notícia:

O papa Bento XVI tuitou pela primeira vez nesta quarta-feira, durante sua audiência semanal, no auditório Paulo VI, no Vaticano. Bento XVI escreveu em seu iPad uma mensagem de saudação aos mais de 670 mil seguidores. "Queridos amigos, estou feliz por entrar em contato com vocês pelo Twitter. Obrigado por sua resposta generosa. Eu abençoo a todos de coração", disse.

Pois até o papa tem conta no Twitter e usa tablets... E com certeza o Vaticano está no Facebook, a grande rede de contatos, informação e interação, que está marcando o século 21 com novas formas de comunicação.

Essa situação sempre me chama a atenção – da Igreja (ou das igrejas) usar (em) a tecnologia. Há uma contradição, me parece. Todo o moderno aparato tecnológico foi construído “apesar” da religião judaico-cristã (entre outras). Física, química, engenharia, biologia etc. não tiveram um livre-desenvolvimento por intervenção de “sacerdotes”. Até hoje, avanços na medicina, como as possibilidades de uso de embriões, é travado por uma visão ortodoxa, da Idade do Bronze, época em que o Velho Testamento foi moldado – por isso são preceitos de tribos patriarcais seminômades das imediações do Mediterrâneo. Estudiosos e pensadores, mesmo cristão, como Giordano Bruno, foram mortos pela sua própria igreja (no caso, pela inquisição - Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício); outros, foram duramente censurados, sob ameaças de tortura e assassinato, caso de Galileu Galilei. E até hoje esse sectarismo violento (virulento, também), anti-liberdade e anticientífico é praticado mais ou menos explicitamente por instituições religiosas e seus “fiéis” exaltados.

Talvez essa adesão a crenças irracionais e antiquadamente preconceituosas – enquanto usufruímos de produtos das engenharias mais sofisticas – seja culpa da nossa alienação em amplo sentido. Vivemos na superfície de tudo. Assim como não sabemos praticamente nada do que existe internamente e como funciona eletronicamente um telefone celular (apenas apertamos os botões na superfície do teclado ou tela), assim também não sabemos praticamente nada sobre as bases históricas, psicológicas e sociológicas da fé em, por exemplo, Nossa Senhora Aparecida. Em plena procissão a Santa, ligamos para nossa avó, para saber se tudo está bem em casa. Em ambos os casos – caminhar num evento que reverencia uma virgem que concebeu imaculada e usar o sistema de telefonia móvel –  o nosso nível de consciência da complexidade envolvida no que está acontecendo é baixíssimo; nossa ignorância – no sentido técnico de falta de conhecimentos – é altíssima. Agimos como macacos puxando alavancas para ganhar uma banana.

Acho que o potencial humano vai muito além de puxar alavancas. Somos analfabetos funcionais na leitura das coisas que nos rodeiam. Precisamos urgente de um “mobral” científico-histórico-filosófico para entender o que de fato está sendo dito; não só assinar o nosso nome em documentos que não sabemos o conteúdo.


***Ao se referir a políticos e burocratas fundamentalistas na cabeça de governos como o do Paquistão, o jornalista Christofer Hitchens, em seu livro “Deus não é grande – como a religião envenena tudo” (Ediouro, 2007), uma denúncia veemente contra o obscurantismo e sectarismo religiosos, diz o seguinte:

“É uma ironia trágica e potencialmente letal que aqueles que mais desprezam a ciência e o método de livre investigação tenham sido capazes de surrupia-lo e incorporar os produtos sofisticados dele a seus sonhos doentios [de morte e destruição em massa].”

Calendário maia, fim do mundo e sorvete na testa



Nem mesmo a prestigiada revista brasileira de divulgação científica, a Ciência Hoje, escapou das confusões sobre as “profecias” do 21 de dezembro. Confusões estas que ficam à beira, por um lado, da histeria e, por outro, da piada. Estamos diante do “fim do mundo”, baseado no que estaria inscrito num calendário de nativos mesoamericanos, os maias.

Em sua edição número 295, ao abordar o assunto – “2012, afinal, é o fim do mundo?” – a Ciência Hoje publicou em sua capa o que deveria ser uma pedra esculpida, se referindo ao tal calendário maia. Na edição posterior, os editores reconheceram o “furo”: se tratava de uma imagem de um objeto... asteca... Não foi culpa do autor da matéria. O próprio banco de imagens de onde foi comprada a ilustração catalogava como “calendário maia”. Falhou a revista em checar isso muito bem. Em todo o caso, a matéria é boa e vai abaixo o link para quem quiser ler o que está no site da publicação.

Se a Ciência Hoje, uma revista sob responsabilidade da  SBPC, uma tradicional organização de cientistas renomados, atuando pelo desenvolvimento da ciência ; se este pessoal não fez a revisão devida e deixou passar tamanho engano, fico pensando quanta  bobajada está sendo dita, mostrada e repetida por aí. Aos enganos por lapsos e desconhecimento, some-se o que estão produzindo os “espertos”, sempre a fim de explorar esta nossa atávica nostalgia judaico-cristã do apocalipse. Vendem-se manuais, amuletos, “programas de salvação” etc. E mesmo sabendo que se trata de mais um sorvete na testa, daqueles de duas bolas grandes (chocolate e morango), socamos a guloseima com um sorriso cândido, prenhes de esperanças infantis...

O fato é que no dia 21 de dezembro (daqui dez dias!) vai ser aquela mesmice mundial: acidentes, assassinatos, tempestades – um desfile de tragédias maiores e menores trazidas pela imprensa. Alguns vão dizer que “Está aí, começou, mesmo, o fim do mundo!” – e não vai adiantar nada ponderar coisa alguma. Quem quer acreditar, vai acreditar, e quando chegar o frustrante vigésimo primeiro dia do último mês do ano... vai embarcar em alguma desculpa (adiou-se o fim do mundo por conta de uma intervenção de Asthar Sharan, por exemplo). E logo-logo se terá mais uma previsão de armagedom e um bom tempo para se comprazer com a mais nova (e mórbida) esperança de que – “desta vez pra valer” –  tudo vai acabar, enfim...

Afora os “apocalípticos clássicos”, há os que são adeptos – ou acabaram aderindo, tal a evidência da bazófia – para ideias não das explosões cinematográficas, da morte em massa, de gritos e uivos, mas de “uma nova era”, um novo ciclo... Bem, um novo ciclo começa todos os dias com a rotação da Terra e toda a coreografia (ia dizendo dança) dos planetas, estrelas, satélites naturais etc. que compõem a nossa galáxia e o universo que conhecemos. Todos os dias o mundo “termina” e “recomeça”, Sol e Lua, claro e escuro, vigília e sono, pintassilgos e morcegos... Não seria uma boa aproveitar isso e renovar a nós mesmo a cada transposição do dia e da noite; quem sabe buscar ir mais adiante em nossos esforços por conhecimentos embasados, ajudando a construir uma civilização mais harmônica, sem apelos patéticos ao irracionalismo e a emocionabilidade?

Acho que muito dessas expectativas “bíblicas” são geradas por insatisfação e angústia. Muitas pessoas não gostam de suas vidas e se sentem pressionadas por um mundo muitas vezes duro, cheio de injustiças e desgraceiras várias (crianças sendo prostituídas, florestas nativas desmatadas, autoflagelação em nome de Jesus...), onde estamos cheios de “responsabilidades” – contas a pagar, um chefe chato, enxaqueca, segundas-feiras etc. Um belo fim do mundo seria uma oportunidade de “zerar” as coisas e reiniciar tudo de novo!


***Quem puder, leia a matéria da Ciência Hoje que me referi: uma das coisas interessantes é a desmistificação da “harmonia” dos povos antigos da mesoamérica. Os maias, por exemplo, que não estão “extintos”, entraram em decadência por contas de guerras de poder e destruição ambiental. Estão longe desta ideia de uma civilização de sábios, zens, “evoluídos”. Óbvio que a grandiosidade de cidades, seus monumentos, técnicas de escultura, arquitetura, avanços na agricultura, na escrita, na astronomia, entre outros, são admiráveis. Mas também havia uma profusão de sacrifícios humanos, tortura e antropofagia rituais, ou seja, muito sangue, carne e vísceras humanas para aplacar deuses e saciar fomes.

http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/295/2012-afinal-e-o-fim-do-mundo

7 de dez. de 2012

Físico diz que conhecemos menos de um centésimo de milionésimo de bilionésimo do que compõe o universo (0,0000000000000001%)

Na coluna do físico George Matsas, na edição do mês de setembro passado da revista Ciência Hoje, ele fala do bóson de Higgs. E diz algo que me surpreendeu, que é o seguinte:

“(...) o bóson de Higgs está longe de completar o quebra-cabeça das partículas elementares. Argumentos teóricos sugerem que conhecemos menos de um centésimo de milionésimo de bilionésimo (10 na potência menos 15%) do conjunto total de peças [do atual Modelo Padrão das Partículas Elementares]. Assim, a menos que o restante do quebra-cabeça consista de uma enorme moldura branca de peças desinteressantes, ainda termos muito a aprender.”

Sim, “temos muito a aprender”... E mais: Matsas fala que, “De fato, dados provindos da astrofísica e da cosmologia têm indicado que aproximadamente 23% de toda a matéria do universo não é feita de prótons, nêutrons, elétrons, nem outras partículas do Modelo Padrão. Essa matéria desconhecida foi apelidada ‘matéria escura’, pois não é diretamente visível. (...) Tudo indica, portanto, que, no futuro, o Modelo Padrão terá de ser ampliado.”

Num parágrafo anterior, o físico, que é professor na Universidade Estadual Paulista, explica o que seria o tal Modelo Padrão: “O Modelo Padrão das Partículas Elementares (ou, simplesmente, Modelo Padrão) pode ser entendido como um grande quebra-cabeça. Cada peça representa uma partícula, enquanto a forma como se encaixam descreve a relação entre elas. Todas as partículas do Modelo Padrão que haviam sido teorizadas acabaram sendo encontradas. Faltava apenas o bóson de Higgs.”

Ou seja, apesar dos avanços, estamos a milhas e milhas (ou melhor, a anos e anos luz) de compreendermos todo o mistério da matéria ou energia ou seja lá o que componha o nosso cosmos, incluindo a nós mesmos. Entretanto, não sejamos apressados em “concluir” que “A FÍSICA” ou “A CIÊNCIA” confirmam que existe “algo além”. Certo, existe “algo além”, mas tudo indica que nada tenha a ver com fadas, santos, espíritos desencarnados e ETs do bem e do mal.

De qualquer modo, o tamanho descomunal do nosso desconhecimento enquanto humanos – e que gera tantas tentativas de explicação que remetem ao lendário, ao inabordável e ao irracionalismo – deve servir para não nos arrogarmos “senhores do universo” ou deste planeta que coabitamos com inúmeras espécies coirmãs (em termos de origem, lá no mesmo caldo primordial).

A ciência, por definição, cria explicações provisórias, ciente de suas falhas e sempre a pedir testes renovados. Mas o que dizer das religiões sectária (quase todas, infelizmente), que pretendem ter “a” explicação cabal, final, “imexível”, e, por isso, ditando o que é certo e errado para todo sempre? Na minha opinião, com exceções, são ideologias perversas, por limitarem as possibilidades do intelecto humano, além de reprimir outros tantos potenciais para o desfrute da vida. Em nome de Deus se cometem inúmeras barbaridades, incluindo a autoflagelação mental...

***Para ver todo o artigo de George Matsas, vai aqui o link: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/296

A lancha

Esta semana, voltando para casa, passamos na estrada em frente ao posto de gasolina perto do trevo de acesso ao nosso bairro. Lá estava estacionado um big caminhão, levando em sua carreta uma portentosa lancha – quase um iate. Sem brincadeira, era muito próximo ao tamanho e volume da nossa baiuca... mas devendo custar no mínimo 10 vezes mais! E seria usado por algum bacana em alguns momentos do seu “lazer”, num lago ou rio por aí.

A nossa conversa derivou para isto: Como alguém pode ser dar ao luxo (literalmente!) de comprar e possuir tal objeto (custos com taxas e impostos anuais também não deve ser nada baixos)? Objeto, diga-se, tão caro quanto supérfluo. Como esta pessoa consegue gerar tal dinheiro para tamanha aquisição de deleite ocioso? É por trabalho? Pelo seu trabalho? Puro trabalho individual?

Óbvio que não pode ser. É uma incompatibilidade, uma incongruência, uma impossibilidade. Explico: por mais que alguém tenha excepcionais capacidade e empenho de trabalho, não há como transcender limites físicos, corporais (trabalho braçal), intelectuais (trabalho mental), ou seja, não há como o indivíduo trabalhar muito acima da média de esforços e habilidades dos demais trabalhadores do planeta Terra. Em algum momento, de algum jeito, para “possuir” bens caríssimos, se está ganhando muitíssima vezes mais do que a sua energia individual despendida em trabalho. Tal sujeito, necessariamente, está abocanhando (amealhando?) recursos que não são gerados pelo seu próprio trabalho; alguém, alguns ou milhões de outros humanos estão sustentando este acúmulo material, este excedente (excesso?) de riquezas médias geradas por trabalho real de um ser humano.

Não é por nada que os anarquistas dizem que toda a fortuna é um roubo, ou, ao menos, uma tremenda injustiça num mundo onde todos são biologicamente iguais, ou com bastante semelhanças em termos de inteligência e habilidades físicas. A “esperteza” é o que parece definir o “diferencial”. “Esperteza” que também pode ser definida como uma imoralidade, ou sacanagem, travestida de “ousadia”, “empreendedorismo”, “senso de oportunidade” e outras retóricas de sustentação do plutonismo ou riquismo.

O fato me parece matemático: o dinheiro que sobra ou jorra para alguns, falta ou escafede-se para muitos. A pobreza grassa num mundo de uma elite de milionários, bilionários, trilionários...

E como isso é justificado, explicado? Como dormir em sua cama king size, passear pela cidade em seu Rolls-Royce Phanton, comer em um restaurante com pratos a partir de 180 reais enquanto crianças de 10 anos são prostituídas logo adiante na esquina? Uma das formas de explicação, com certeza, é pela “intervenção divina”, ou seja, pela atuação de Deus. Ele é dadivoso aos seus preferidos;  seria um pecado rejeitar as Suas benesses – mesmo com idosos morrendo sem atendimento em hospitais e tendo as cadeias cada vez mais abarrotadas, animalizando aqueles que deverias estar sendo “reeducados” (ou algo assim). Outrossim, concebe-se (sarcasticamente, só pode ser) que problemas sociais nada têm a ver com o acúmulo estratosférico de riquezas.

Afora tais explicações religiosas e ideológicas, a riqueza ostensiva e ostentatória deveria revoltar, em especial os bilhões que vivem à míngua. Entretanto, o controle massivo das mentes é tamanho, que os temores de ser apedrejado passeando em sua mega lancha ainda são pequenos...

(Talvez também se tenha que considerar atavismos humanos, num formato hipertrofiado, de quando andávamos em bandos e havia machos-alfas e a ostentação se impunha como um mecanismo de expansão genética do indivíduo...)

29 de nov. de 2012

Duas citações



Michel Shermer, em "Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas: Pseudociência, superstição e outras confusões dos nossos tempos", da JSN Editora, 2011:

MORAL

A moral não existe na natureza e, portanto, não pode ser descoberta. Na natureza existe apenas ações – ações físicas, biológicas, humanas. Os humanos agem no sentido de aumentar sua felicidade, seja lá com definam pessoalmente. As sua ações se tornam morais ou imorais apenas quando outra pessoa as julga como tais.. Assim, a moralidade é a rigor uma criação humana, sujeita a toda sorte de influências culturais  e construções sociais, do mesmo modo que ocorre com outras construções humanas. p.154


CIÊNCIA

O que separa a ciência das demais atividades humanas é o seu compromisso com a natureza experimental de todas as suas conclusões. Não há respostas conclusivas na ciência, apenas graus variáveis de probabilidade. Mesmo os “fatos” científicos são apenas conclusões confirmadas em tal grau que se torna razoável oferecer-lhes uma concordância provisória, mas esse assentimento nunca é definitivo. A ciência não é afirmação de um conjunto de crenças, mas um processo de investigação voltado para a construção de um corpo testável de conhecimentos constantemente aberto a rejeição ou confirmação. Em ciência, o conhecimento é fluido e a certeza, fugaz. Isso está no cerne de suas limitações. E isso constitui também a sua maior força. p.155

Fé demais...


A fé em si não é uma coisa boa. Nem má. A fé, no sentido de crença religiosa, pode levar uma pessoa a ter compaixão, ser solidária e sentir-se bem convivendo colaborativamente na sociedade.

Mas a fé também pode produzir assassinos suicidas, caso dos que jogaram dois aviões nas chamadas Torres Gêmeas nos EUA, só para citar a fé em uma das várias confissões religiosas produtoras de fanatismo, ao ponto de executar e justificar a morte de milhares e até de quem sequer tem alguma religião. Um exemplo extremo, para falar das violências (simbólicas, inclusive) cotidianas de quem tem “fé de mais” (alusão ao título brasileiro do filme “Leap of Faith”, com o comediante Steve Martin - na ilustração acima), caso da imposição de crucifixos, quadros e estátuas de santos e outros objetos de culto católico em lugares públicos do Estado.

Assim, as virtudes da fé são relativas; jamais podem ser absolutizadas – tidas como natural e inequivocamente positivas, sempre a produzir bons frutos. Num mundo, como dissemos, onde matanças são feitas em nome de Deus e profetas, a fé não pode ser vista com tanta e tranquila beatitude...

Li que um padre disse “A fé é tudo e Deus, o máximo”, ou algo parecido. Sim, para quem a tem, a fé pode ser tudo – e nada precisa de embasamento, de comprovação reiterada; Jesus transformou água em vinho e ponto final, foi literal; Deus transformou o bastão de Abraão em uma cobra e, sim, isso aconteceu de fato – não é nenhuma alegoria ou ilusionismo ou história para impressionar... E Deus é o máximo porque não admitimos algo que transcenda o humano conceito “Deus”; é o nome para tudo que não conseguimos explicar.

Deus é algo que está além de nossa capacidade de entendimento e supomos que tal “ser” seja algo muito bom, que nos rege com uma sabedoria sempre boa ao final dos finais – mesmo quando uma criança, se divertindo com os pais no pátio de casa, é atingida por um poste, numa coincidência trágica, dolorosa e revoltante, mas que tenta-se entender como algum desígnio divino, “vontade do Pai” ou carma... Pois a fé também pode consolar em casos do tipo – e isso, para nós, seres frágeis, falíveis, é um alento, um mecanismo de defesa da saúde mental; não raro aceitamos falácias para nos auto-proteger e proteger outros da tremenda dor que a existência pode implicar e seguidamente implica.

Mas, reafirmando, a fé também pode causar sofrimento e limitar a própria vida da pessoa. Em nome da fé posso restringir ou abdicar do exercício da minha sexualidade sem que eu tenha condições psico-biológicas para tal repressão, o que vai me levar a adoentar-me, ou perverter a minha libido de forma perigosa a outros, até mesmo a crianças.

Definitivamente, a fé não é tudo e Deus é o máximo que alguns encontram para designar aquilo que nos foge ao entendimento e aceitação...

"Espírito de Êxtase"



Naquelas zapeadas pela internet, buscando umas informações, cheguei ao site da Rolls-Royce.

Há um video institucional da empresa que achei bacana (abstraindo usos assassinos de alguns dos aparelhos deles), que está na página de abertura. Para quem gosta de tecnologia e indústria - motores e energia, especialmente -, é bem emocionante ver aquela gigantesca estrutura mundial e a fala dos seus colaboradores.

http://www.rolls-royce.com/

Uma curiosidade: "Espírito de Êxtase", como vocês sabem (mas eu não sabia) é o nome da "estatueta" (ilustração acima), marca distintiva dos veículos RR. Foi modelada a partir da amante do editor da revista The Car Illustrated, que pediu que se fizesse um adorno para o carro que estava adquirindo – isso em 1911. "O símbolo representava sua amada sentindo a música e o vento da nova máquina"... O êxtase proporcionado pela potencia, conforto e elegância de um automóvel luxuoso, para poucos.

Na Wikipedia está notado que “Tudo sobre estes carros revela classe. Desde a magnífica mascote ‘Espírito de Êxtase’, ao suntuoso interior estofado. Do silencioso som do motor, ao abafado som emitido ao fechar a porta do carro”. Não é por nada que o nome do primeiro veículo da RR foi Silver Ghost (o Fantasma Prata), por conta do seu impressionante silêncio...

Olhem aqui neste blog a estatueta, a amante e o carrão circulando em Londres, além de alguns outros detalhes:

http://nwsistemas.blogspot.com.br/2011/07/spirit-of-ecstasy-espirito-do-extase.html

12 de nov. de 2012

Finados para agnósticos, ateus e crentes

O livro “Religião para ateus” do Alain de Botton me abriu para novas considerações, enquanto me subsidiou para coisas que eu já pensava.

O feriado dos finados. Uma data que, aqui, tem um teor religioso e, mesmo, mórbido – ou ao menos de tristeza opressiva. Além disso, foca-se, para cada um, nas pessoas que conviveram mais diretamente conosco: os nossos parentes mortos, especialmente.

Sei que há lugares onde o que existe é um “Festa dos Mortos”, com quitutes e farto consumo de bebidas e até bailes. Ou seja, paradoxalmente, há um extravasamento da vida, da alegria, da mundanidade em homenagem aos mortos...

Lembro que, quando piá, íamos, pai, mãe, irmão, avó e demais parentela para o cemitério de Ponte Queimada, onde, estava (e está) enterrado o meu avô materno e outros ex-chegados da família da minha mãe. Um caminhão de bebidas ficava estacionado à sombra de grandes plátanos em frente ao muro de pedras do cemitério e, se a minha memória não me prega peças, havia churrasqueiras onde se preparavam carnes para o almoço. Quer dizer, havia um caráter festivo, de diversão (ao menos para as crianças), de encontro comunitário – entre vivos! – naquela visita aos túmulos, quando se aproveitava para lavar, reenfeitar e até fazer reformas das lápides e jazigos – além de orar pelas almas dos falecidos, claro.

Mas o que hoje me parece ficar patente é a contrição um tanto quanto depressiva, além de ser cada vez mais formalidades anuais mais ou menos “obrigatórias”, sem uma adesão coletiva de familiares, “sobrando” para os mais antigos a reverência aos já definitivamente antepassados.

Max Weber tem o conceito de “desencantamento do mundo”, que é, para mim - mesmo não sendo isso que o sociólogo alemão eseteja se referindo diretamente -, a explicação para o afastamento dos cemitérios da gerações como a minha, formadas por uma mentalidade científica já consolidada, desacreditada no sobrenatural em qualquer sentido. Não há magia, não há fadas, duendes, anjos, fatasmas, espíritos, almas que se reencarnam - a não ser como algum tipo de alegoria ou mito explicativo, lenda, supertições tão populares quanto falsas, quando não enganadoras, alienantes, limitantes do potencial humano de compreensão.

Entretanto, não seria bacana reformar isso, pegando carona no que propõe o Botton? (“Santa utopia, meu caro”, já vejo dizendo-me!) O Finados, o Dia dos Mortos poderia ser uma Comemoração aos Antepassados (ou um nome que “pegasse” melhor).

Seria um dia de reverenciar a memória não só de parentes e amigos, que já não têm existência física e que, independente de crença religiosa, continua a existir em nossas memórias. Ou aqueles/as que se notabilizaram e ficaram registrados por feitos – livros, relatos, inventos – essa infinidade de gente que construiu os povos, a humanidade no que ela tem de mais bacana. (Assim é que energúmenos, caso de abomináveis ensandecidos “hitlers”, deixaríamos para uma data de pranto, mesmo!)

Seria uma data de reconhecimento, agradecimento e estímulo a uma “vida significativa”, voltada para as coisas coletivas.

Os egoístas e os maldosos, com certeza, não teriam vez nesta “festa”. Como eu disse, poderia haver uma data para lamentá-los fervorosamente – para que também não esqueçamos que, assim como há pessoas queridíssima, gênios e heróis, há muitos mesquinhos, vilões, violentos torturadores, sanguinários e outras classificações para pequenos e grandes desgraçados da humanidade.

30 de out. de 2012

Turismo e aventura no quintal

Que beleza, Sandolitos, trilheiro motociclista!

Como tenho dito, continuo fazendo minhas "trilhas domésticas". No sábado retrasado, por exemplo - um dia com chuvisqueiro, mas estios providenciais -, estivemos em Santa Maria e Cachoeira. Santa Maria, conheci, enfim, a famosa Vila Belga, fundada pela companhia ferroviária de origem belga. É ali bem perto do centro da cidade, com casas e ruas que preservam traço arquitetônicos do começo do século XX. Também fui num outro lugar de lá: o Planetário da UFSM, onde existe até uma reprodução de um megalito (ou megálito) Inca usado para as "medições" astronômica na América pré-Colombo.

Mas trilha, mesmo, fizemos no Zoo-Jardim Botânico/Museu Municipal de Cachoeira do Sul, no final de uma ruela quase escondida. Pequeno, mas me surpreendeu - duas enormes onças, além de corujas, carcaras, quatis, cascavéis, jararacas, caranguejeiras etc. Em pleno centro, meio escondido, no final de uma ruela atrás da praça da Câmara de Vereadores...

Mas o mais sensacional: o Parque Witeck, que fica na área do município de Novos Cabrais, mas na entrada da estrada (RS 153) que leva até a cidade de Cachoeira.

Bacaníssimo. Uma trilha com árvores do mundo todo, lagos, casas rústicas - uma área recuperada há 50 anos por um médico do exército que foi morar em Cachoeira a partir de 1962. É propriedade particular, mas aberta para visitação pública. Quero voltar lá, porque fui mais para dar uma primeira olhada. Só conhecia por "ouvir falar".

Fica pra quem não conhece a dica e o link para a visita a este parque:

http://www.parquewiteck.com.br

É assim que aproveitamos momentos prosaicos, como de um pequena viagem para outros fins - fazer uma prova no curso de especialização da Nenê, no caso - para conhecer (ou "re"conhcer) lugares e situações novas, numa espécie de aventura doméstica - incluindo cafés de máquina em lanchonetes de postos de gasolina...

Alienação tecnológica e a "foto" de Jesus

Esses dias fiquei perturbado pelo recebimento de um daqueles e-mails "TU DEVES REPASSAR AGORAAAARGHH!!!”, sob pena de te acontecer alguma desgraça. Meu “desassossego” ficou por conta de quem estava me enviado aquilo: uma pessoa com doutorado e professor universitário... Vai o comentário que fiz na ocasião:

Começa por dizer que a ilustração em anexo é uma foto, quando, obviamente, é um desenho, retratando Jesus Cristo conforme o estereótipo – um homem branco, magro, de cabelos compridos, com um rosto expressando dor, tendo na cabeça a terrível coroa de espeinhos. Interessante que essa figura, que representa o amor incondicional, a bondade encarnada, a suprema compaixão, aquele que se dá pela salvação da humanidade... pois bem, caso tu não repasses tal figura, desencadeará uma grande desgraça na vida do preguiçoso, desatento ou cético internauta...

Referências como a de ter aparecido "até no Fantástico" (o programa da Globo), um presidente da Argentina (que teria sido “punido” por não dar encaminhamento a mensagem, morrendo o seu filho), uma pessoa chamada Alberto Martines (imaginei-o um mexicano ou costa-riquenho)... a referência a "o poder Ele tem", "milagres", ganhar na loteria (como “recompensa” por repassar a mensagem), o prazo de "13 dias"... tudo isso me espanta pela superstição, o obscurantismo envolvidos; a crendice mais simplória e, aí é o ponto, compartilhada ao que parece, por pessoas academicamente especializadas, profissionais bem remunerados da área da educação superior... Não, não é exatamente (ou somente) uma crítica: é uma vontade de entender o que está acontecendo... Me parece, também, um contradição – algo que se choca ao propósito do saber desenvolvido em universidades, no ensino e pesquisa acadêmicas – que, acho eu, justamente se estabelece para não sermos submetidos pela irracionalidade. (Mesmo que se possa dizer que o humano seja por natureza 98% irracional, e coisas como a religião não sejam necessariamente ruins, um mal, mas estratégias de conforto e compreensão do mundo aparentemente caótico em que vivemos. Tem um cara que se chama Michael Shermer, articulista na Scientific American [já vi uns pedaços de palestras dele no Youtube e estou lendo um dos seus livros] e editor de uma outra revista famosa, a Skeptic Inquirerer. Bem, ele diz que "sua intenção não é subestimar as pessoas que acreditam em 'coisas estranhas', mas sim entender por que elas acreditam" naquilo, sem cair num "dogmatismo científico". Eu estou por aí.)

Outro ponto que também me surpreende, aí de um modo mais geral, é a nossa “alienação tecnológica” – e que levam pessoas a repassar mensagens que julgo estapafúrdias. Usamos inúmeros e sofisticados artefatos tecnológicos – eletrônicos, computacionais e mecânicos especialmente – sem que tenhamos uma noção ao menos básica da complexidade dos conhecimentos e habilidades humanas consubstanciadas num ato, por exemplo, de enviarmos uma mensagem via internet, anexando uma imagem ou vídeo; ou no ato de atendermos nossa mãe no celular, enquanto estamos nos deslocamos no elevador do aeroporto, onde embarcaremos numa viagem sem escala em um avião Airbus A380 de Porto Alegre até São Paulo... subjazem quase completamente esquecidos aí uma gama de fórmulas físico-matemáticas, química fina aplicada e de tantos outros conhecimentos gerados pela metodologia científica; parece que nos mantemos como crianças crédulas, despachando mensagens de um conteúdo confuso e do maior obscurantismo, da maior desconsideração ao que já foi produzido pelas diversas ciências – incluindo as humanísticas (caso da sociologia, ciência política, antropologia etc.)...

Uma ligeira leitura do texto deveria ser suficiente para alertar-nos sobre sua precariedade de sentido e conteúdo. E onde se esperava a sensatez, por se tratar de pessoas que trabalham em uma universidade, reduto da reflexão metódica e exaustiva, o que se vê, porém, é a mais rasa credulidade...

Há em nossas vidas uma crucial contradição, resultado do uso alienado, do “analfabetismo científico”, que nos mantém apenas na superfície, nas “interfaces” dos aparatos tecnológicos  – o teclado do celular, da tela do computador, do controle remoto da TV, da direção do automóvel, da poltrona do avião, do creme vegetal sobre a fatia do pão de sanduíche etc. parece que não temos estímulo para entender “o que está pro trás”, qual a “magia” que está ali... Por certo isso exige um certo esforço intelectual (talvez aí esteja um dos nós da questão...), mas tal empenho revelaria que não há magia propriamente, mas um preciso funcionamento derivado de um enorme esforço acumulado de saberes.

17 de out. de 2012

Álcool num desfile onde há milhares de criança? Que mensagem estamos passando? Álcool é alegria? Como se contrapor ao uso de outras drogas?

Como tenho falado, acho uma tremenda irresponsabilidade haver álcool sendo distribuído num desfile com crianças, com carros alegóricos, inclusive, aludindo a infância - caso, mais uma vez, aqui na Oktober 2012.

Muitas pessoas fazem enormes esforços para minimizar os problemas com o uso abusivo de drogas e, em eventos de rua, em pleno domingo de manhã, se assiste marmanjos empunhando canecões e distribuído fartamente a beberragem alcoólica em meio a alegorias de "contos de fada" e muitas brincadeiras.

E não me venham com a hipocrisia de dizer que o álcool é lícito e não é distribuído para as crianças no dsfile. Perceba-se o processo "educativo", pelo "exemplo", que acontece em momentos como esse, onde o álcool é apresentado como um inocente e bonito recreativo em meio a sorrisos, flores e cucas. (O que diriam os mesmo que empunham canecões na Marechal Floriano sobre a "Marcha pela Maconha"?) Não é porque o álcool faz parte do nosso cotidiano que vamos continuar glorificá-lo e tratá-lo como algo "menor".

Já falei que todo o trabalho de órgão como o COMAD (Conselho que trata das políticas em relação ao uso de drogas no município) é destruído e desmoralizado por momento como estes do desfile da Oktober.

Acho perfeitamente possível se fazer um desfile sem propaganda e distribuição desse nada inocente psicoativo contido no chope.

Todo o meu repúdio a quem insiste nisso. Quer beber, encher a cara, faça isso (como eu faço muito de vez em quando) em lugar privado e sem alarde. Álcool é droga, não é suco de groselha. Não se trata de ser "moralista" ou "careta" (de certa forma, são irrefutáveis "válvulas de escape"), mas se ter coerência e efetividade no controle do consumo indevido e abusivo de drogas, que tantas desgraças produz de forma direta e indireta (vide inúmeros acidentes fatais de trânsito).

16 de out. de 2012

Conselhos - ainda não apostando na democracia participativa

Eu sou um entusiasta dos conselhos municipais - da criança, do idoso, do meio ambiente, da cultura etc. - e acho que os conselheiros deveriam ter o status semelhante a de um vereador, porque são pessoas que se dedicam a servir ao desenvolvimento da comunidade, do coletivo em vários campos. Infelizmente, a maioria dos governos não reconhece isso, porque quer concentrar o poder e evitar qualquer tipo de “interferência”, especialmente “críticas”, que, para um boa e inteligente administração, seriam elementos que ajudariam a qualificar e consolidar popularmente a gestão.

Penso que os conselheiros, quando tomassem posse, deveriam ser “diplomados”, em uma cerimônia presidida pelo prefeito/a ou secretário/a, com toda pompa e circunstância. Ao final do mandato, os conselheiros deveriam ser condecorados por “serviços relevantes a sociedade”, além de terem, durante o exercício de seus mandatos, algumas prerrogativas, caso, por exemplo, da livre-entrada em espetáculos e outros eventos públicos, configurando e compensando sua condição de servidor público voluntário e autoridade municipal. Isso valorizaria a função e abriria os olhos da população para este trabalho quase invisível (ou intencionalmente invisibilzado muitas vezes) dos conselheiros.

Os conselhos são órgãos da Administração Municipal, uma conquista da redemocratização do país expressada na Constituição Brasileira (a “Constituição Cidadã” de 1988). Entretanto, a velha cultura política autoritária e totalitária continua fazendo seus estragos pelo nosso país, desconsiderando ou pouco valorizando (não oferecendo a infraestrutura adequada e até prevista em lei) e investindo em mecanismos de participação direta da sociedade civil na gestão pública (conselhos, fóruns, assembleias públicas, orçamento participativo etc.).

Não fosse o empenho da sociedade civil (mesmo que minado pelo desestímulo produzido pelos próprios governos), os conselhos locais estariam ainda mais fragilizados, boa parte, atualmente (estou falando de forma genérico), sobrevivendo como depressivos zumbis, e não como vigoroso instrumentos de democratização e eficiência administrativa.

11 de out. de 2012

Tangfest...




Vai começar mais uma Oktoberfest em Santa Cruz do Sul, essa festa turística, cada vez mais direcionada à juventude, que tem uma oportunidade de se divertir com muitos estímulos e desinibições alcoólicas (uma das drogas comprovadamente mais perigosas do nosso dia a dia), profusão de shows e bailes populares. Shows (os "nacionais") e bailes (nos lonões), diga-se, sem nenhum vínculo com a alegada “nossa cultura alemã”, já que os artistas e músicas não tem nada de etnicamente singulares, sendo aqueles consagrados nas paradas do pop nacional (sertanejo universitário, pagode, axé, rock brazuca, por aí).

Mas o verniz remete a Alemanha e a um folclore “germânico”, mesmo que quase completamente artificial, porque sem base na história e vida real das comunidades teuto-brasileiras da região. (Além do modelo de roupas, de danças e coreografias importadas do folclore da Alemanha, até as “bandas típicas” começam a ser trazidas do estrangeiro...)

Sobre os adereços da festa, insiste-se nas cores da atual bandeira alemã. Mesmo com o meu parco conhecimento histórico, sempre faço a pergunta: O que tem a ver a Alemanha contemporânea com o conjunto de emigrantes que aqui se assentaram a partir de 1849, quando sequer existia o país Alemanha? Eram reinos, principados, ducados, cidades livres e outras organizações estatais independentes – ou seja, diversos países diferentes uns dos outros, até mesmo em termos de idiomas –, que só por força do imperialismo da Prússia foram unificados (em parte) a partir de 1871, sofrendo alterações de conformação até recentemente (vide a união ocorrida entre as repúblicas Federal e Democrática em 1990). E sem considerar que para aqui também vieram gente que seria bem mais correto chamar-se – ao invés de alemães –  de austríacos, poloneses, belgas, tchecos, holandeses, russos etc.

Ou seja, se fôssemos considerar as cores simbólicas dos países dos imigrantes que se assentaram nos lotes rurais estatais e particulares na região de Santa Cruz no século XIX, haveria uma colcha de retalhos enorme, com uma infinidade de estampas e arabescos (e isso fala de pluralidade étnica já na "saída" das pessoas do continente europeu, mais tarde "homogeneizadas e pasteurizadas" na designação "alemão"). Talvez as bandeiras das sociedade de canto, leitura, desporto, lazer e integração que existiram e ainda (re)e(s)xistem sejam as mais adequadas para inspirar coloridos e outros estilos estéticos para a identificação e publicidade de uma festividade teuta em nosso município (aí sim, nessas agremiações, uma manifestação autêntica de uma teuto-brasilidade, com flagrantes e singulares hibridismos culturais) .

Mas o caso é que foi criada uma “festa alemã tipo Tang” – um pó artificial com sabor e cor químicos, além de demais aditivos sintéticos –, e não um saboroso suco natural com as frutas locais – sejam nativas, exóticas ou híbridas. Fez-se, “para turista ver”, a partir de meados dos anos de 1980, uma “cópia” (um tanto fajuta, deve-se reconhcer) do que acontece em Munique.

O que temos pelas ruas – as faixas, pinturas, cartazes e outros adereços –, em arranjos por todos os lugares nas cores amarelo-laranja (“dourada”), preto e vermelho (da bandeira da Alemanha), é, pois, mais uma vez, uma explicitação de uma “alemanhanização” da festa, em lugar da construção de uma comemoração com elementos autênticos das comunidade santa-cruzenses, onde teuto-descendentes formaram (e formam cada vez mais) um mix étnico com várias outras descendência e marcas culturais. (Veja-se o caso da "situação paradigmática" onde se come uma cuca de laranja, sorvendo um chimarrão, isto é, um bolo de trigo de origem norte-europeia, com cobertura de uma fruta asiática trazida por portugueses, plantada e cultivada por escravos negros nos primórdios do Brasil colônia, acompanhado de um chá de uma planta nativa (ilex paraguariensis), bebido desde tempos imemoriais por índios sul-americanos, adaptado por espanhóis na sua forma de consumo com bomba metálica e água quente...)

Reconheço o empenho sincero e abnegado de muitíssimas pessoas envolvidas intimamente com a Oktober desde a sua criação e realização anual. Nem estou dizendo que não haja coisas boas na festa. Eu já curti muitos shows (o do nordestino Zé Ramalho foi o máximo em 2009) e me diverti pra valer (na Montanha Russa [da Rússia!], por exemplo, ou nos desfiles dos carros alegóricos (criados pelo afrodescendente Fernando Garibaldi). Mas isso não significa que se abra mão de uma franca visão crítica, até para que a comemoração se qualifique como evento e elemento simbólicos de toda a comunidade santa-cruzense, fazendo jus a teuto-brasilidade e pluralidade étnico-cultural locais.



***Nesta edição, até o momento, me chamou a atenção que "o cara da Oktober", conforme a manchete na Gazeta de 19/12, é o pagodeiro Thiaguinho, vocal do grupo Exaltasamba, jovem negro nascido em São Paulo. Também me chamou a atenção que uma dos grandes chefs de cozinha que está na Oktober é o negro senegalês Mamadou Sène, hoje radicado em Porto Alegre, de religião muçulmana, e que mostrou seus dotes em pratos da "culinária alemã". Mamadou se abastece de informação diretamente com dois irmão seus que residem na Alemanha, Freigurg, tendo estudado na França, tendo entre seus professores um chef alemão. São duas coisas aí: as atrações principais e de massa da "festa germânica" nada tem a ver com germanidade; a Alemanha cultuada não é um idílico país de gente loira de olhos azuis, mas uma nação multicultural, poliétnica, com gente de tudo quanto é lugar do mundo, como o é a Santa Cruz desde seus primórdios. A pergunta (repetindo argumentos): Que tipo de "germanidade" é esta proposta ou colocada pela Oktober, onde a atração principal da festa - uma cópia de outras iniciativas no Brasil, inspiradas na festa de Munique, mas sem raiz na realidade cultural local (nunca houve oktoberfest nas comunidades teuto-brasileiras de Santa Cruz) -; onde se faz um culto a bebida alcoólica de origem egípcia, o chope; onde o destaque artístico é um cantor negro de São Paulo; um dos chefs de destaque é um negro senegalês radicado em Porto Alegre; o talentoso criador dos carros alegóricos é um rapaz negro santa-cruzense de família tradicional da cidade, e onde as duas bandas "tradicionais" forma trazidas da Alemanha??

8 de out. de 2012

O Papa não confiaria em Deus?

A Renault presenteou dias atrás o Papa com um novo “papamóvel”. Além de motor elétrico, o carro "ecologicamente correto", modelo Kangoo da fábrica francesa é todo adapatado, tendo itens como bancos de couro individual e degrau retrátil - tudo para o maior conforto do Sumo Pontífice.

E destaco aqui algo que os jornais que li quase não mencionaram (por que será?): a blindagem da lataria e vidros. Precisa resistir a tiros, a tiroteios. O Papa pode ser amado por muitos, mas outros tantos não o estimam da mesma forma...

Ter de se proteger de inimigos já é algo por si só absurdo para alguém que é tido como Representação de Deus na Terra. O Todo Poderoso, que a tudo criou e a tudo controla paradoxalmente não impede que algum atirador tente fulminar a Vossa Reverendíssima. O exemplo é João Paulo II, que, em 1981, foi alvejado quase mortalemente*. Salvou-se pela imediato socorro e perícia de cirurgiões.

Deus, O que Vê Tudo, O que Sabe Tudo teria cochilado em Roma naquela tarde do começo dos anos de 1980? Como deixou aquele Seu Maior Apóstolo numa situação tão pavorosa e humilhante? Por que não interecedeu? E se não interecede pelo Santo Padre, então a quem Eleintercederá? Sendo assim, não estremos perdendo tempo com tantas louvações, orações, pedidos e promessas?

Não me considero um mensageiro do ateísmo ou alguém que tenha ódio a Igreja Católica – embora muitas coisas ao longo da história da expansão do cristianismo sejam odiosas. Há elementos éticos e pedagógicos que quando escapam do proselitismo sectário ou da demagogia hipócrita são muito bons, caso da ética cristã pela compaixão, fraternidade. Mas o cristianismo também alimenta o obscurantismo, a interpretação literal de histórias que estão muito mais para lendas do que relatos históricos.

Em tempos em que os humanos já enviaram naves e sondas para confins do espaço sideral e somos rodeados por uma sofistica tecnologia (sem que a maioria de nós tenha uma noção mínima sequer de como um transistor funciona), nos aferramos as mais irracionais crendices e superstições. Mesmo que vejamos que “o rei está nu” – e o papa precisa de um carro blindado para se proteger, já que sua aura e seu Pai Superior não são úteis na hora de um atentado real –, mesmo assim muitos de nós cogitam reformular entendimentos e posturas. Nem digo abandonar a fé, mas, no mínimo, manter portas abertas para outras compreensões sobre o que realmente é a vida.


* “O Papa foi atingido por quatro balas disparadas de uma pistola de 9mm a uma distância de 15 pés (menos de 5 metros) no momento em que abençoava a multidão na Praça São Pedro, em Roma. Duas atingiram o estômago, uma, seu braço direito, e outra, um dedo mindinho. Cirurgiões realizaram uma operação de cinco horas e esperavam que o Pontífice se recuperasse completamente”. FONTE: http://noticias.cancaonova.com

4 de out. de 2012

A história que emerge:negros e índios

Esses tempos o prof. Olgário aqui da Unisc mencionou recentes levantamentos e estudos sobre quilombos aqui na nossa região. Poderiam estar demosntrando (com sempre dissemos) a presença negra de forma muito mais intensa no Vale do Rio Pardo, incluindo especialmente Santa Cruz do Sul.

Coincidentemente, semana passada, li numa National Geographic, edição do mês de abril passado, uma matéria muito bacana sobre quilombos em meio a Amazônia e outros pontos do Brasil. Me emocionou a leitura pela incisiva abordagem dos repórteres.

Destaquei o seguinte da reportagem, logo no início:

Às dezenas de milhares, escravos africanos, para escapar das condições do trabalho que os europeus lhes impunham em suas plantações e lavras de minérios, refugiavam-se em áreas controladas por índios. De norte a sul nas Américas, ex-escravos e indígenas fundavam povoações híbridas conhecidas, em inglês, como comunidades maroons, do espanhol cimarrón, ou fugitivo. 

A complexa interação entre negros e nativos é um drama oculto que historiadores e arqueólogos só há pouco começaram a desvendar. Esse capítulo perdido deixou suas marcas mais evidentes no Brasil, onde milhares de comunidades vêm emergindo das sombras para reafirmar sua cultura mista e reivindicar a legalização da posse das terras que ocupam desde a era escravista. (p.74)

A matéria toda é encontrada no seguinte endereço (junto com fotos belíssimas, como é característicos das reportagens da NG):

http://viajeaqui.abril.com.br/materias/quilombo-terra-de-homens-livres

Aliás, comunidades de descendentes indígenas “perdidas” em rincões do Vale do Rio Pardo também ainda não são objeto de pesquisa da nossa academia. Já me deparei algumas vezes com situações inusitadas. Por exemplo, conheci numa formatura um rapaz, esposo da formanda, que trouxe toda a parentela para a janta de confraternização na sede do time de futebol de Linha Santa Cruz: todos, cerca de 15 pessoas, evidenciando em suas faces a descendência indígena (kaingang, provavalemente). E todos morando no interiorzão, em meio a peraus de Sinimbu... Como não reivindicam coisa alguma e só querem sobreviver com algum conforto básico, ficam lá “sem incomodar ninguém”, plantando, caçando e biscateando em propriedades nos arredores. E, por tal invisibilidade social, sem que se reconheça e valorize a rica diversidade da população que se assentou e assenta em nossa região desde tempos imemoriais!

Meio século de um obra fundamental do sociólogo Fernando Cardoso

Em 2012 está se fechando 50 anos da publicação do “Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional – O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul”, um denso estudo com viés marxista (e weberiano)do então jovem sociólogo e professor da USP, Fernado Henrique Cardoso, pupilo do saudoso Florestan Fernandes. Mesmo sofrendo contestações (qual obra tão longeva não sofreria?) e padecendo desta associação negativa com o “Fernando Henrique presidente da república pelo PSDB”, me parece um estudo fundamental, uma obra muitíssimo importante para o RS, que vem romper com a visão “idílica” sobre a escravidão na história rio-grandense, em especial nas charqueadas, onde, dizia-se (e alguns ainda dizem, tchê!) as relações seriam muito mais brandas e outras balelas. De lambuja, ainda no princípio da formação do MTG, a obra de Cardoso “esculhamba” com os artificialismos do paraíso gaúcho, como configura o nosso moderno folclore manifesto nos CTGs. Cardoso construiu seu estudo ao longo dos anos de 1955 até 1962, quando saiu a primeira publicação da sua tese. Antes disso, em 1960, saiu dele o “Cor e mobilidade social em Florianópolis”, que escreveu junto com o Octavio Ianni – trabalhos estes integrados numa produção capitaneada pelo ativíssimo Florestan.

Câncer e expiação: a Idade Média ainda em nossas cabeças



Li a “A doença como metáfora” faz muito tempo, ainda no meu tempo de graduação. A autora do ensaio é uma mulher sensacional, a escritora e intelectual americana Susan Sontag (fotinho em anexo), falecida em 2004, após uma vida intensa, cheia de amores e lutas. Tinha 71 anos e centenas de publicações – ensaios, crônicas, romances etc.

Antes de ler Sontag, minha concepção sobre o câncer e de várias doenças se apoiavam, como é muito comum, em “origens” emocionais e espirituais. Assim, o câncer era produto de algum coisa errada ou ruim que estivemos fazendo nesta ou numa outra suposta vida anterior. Da mesma forma, a Aids (e Sontag tem vários textos sobre a síndrome) foi considerada uma praga – uma punição a gente sem escrúpulos sexuais ou pervertidas. Incrivelmente, mesmo depois de inúmeras pessoas terem contraído a síndrome por conta unicamente de transfusões de sangue contaminado, vindo de bancos de sangue sem testagem – caso do sociólogo Betinho –, mesmo assim há quem continue acreditando que se trata de um castigo de Deus aos devassos e homossexuais...

O câncer é algo sério e nada acrescenta de positivo a pessoa com a doença impingi-la com culpas que martelem dolorosamente sua mente com autoreprovações, retirando-lhes energia ao invés de poupar forças para os desgastes físicos do tratamento. Não basta a enfermidade em si? A doença em sua crueza? Por que não apenas buscar os diagnósticos e tratamentos médicos mais eficientes para cada caso, não desgastando o doente com conceitos e palavras de pseudo-conforto ou pseudo-ajudas de fundo moral, baseadas em crenças pessoais, como o “carma”? Por que não guardar isso para si e poupar, o amigo, o parente, o conhecido (ou desconhecido) de se sentir culpado por alguma “falha” e prescrever “métodos espirituais” que exigem autoflagelação, arrependimento e outras “expiações de pecados”?

Na Idade Média existia a tortura e a fogueira para os hereges e pecadores que não reconhecessem suas “graves faltas”. Hoje existe o câncer...


*A Companhia das Letras editou em 2007 uma versão poket juntando dois ensaios da Sontag, sendo o primeiro o A doença como metáfora. Abaixo, um link com uma suma da obra e acesso virtual a parte do livro: