3 de fev. de 2012

Tradicional desde agora


A expressão reputada ao historiador Hobsbaw, “a invenção das tradições” (na verdade, título de uma obra sua em co-autoria), chama atenção pelo seu aparente paradoxo e por sua hodierna procedência quando analisamos vários fenômenos socioculturais (e não só questões ligadas a macropolítica), repercutindo nas identidades de pessoas e comunidades. Alguns desses fenômenos são bem prosaicos. Já mencionei outras vezes, mas volto ao campo da “gastronomia típica” a partir, também, de uma leitura de jornal, no caso, um reportagem no caderno Gastronomia de Zero Hora, edição de 20 de janeiro de 2012.

Com o título “Uma cantina italiana”, trata da “Culinária caseira e biscoitos [que] resgatam [a] gastronomia dos imigrantes italianos” em uma localidade interiorana do município de Severino Almeida, no Rio Grande do Sul. No “farto cardápio da Cantina”, frequentada por muitos turistas, vários com ítalo-descendência, há “outra especialidade típica da região, os biscoitos italianos”.

As guloseimas, que se poderiam acreditar fruto de receitas tradicionalísssimas, próprias da referida comunidade ítalo-brasileira desde tempos quase imemoriais, na verdade são “invenções” bastante recentes. Conforme nos conta a reportagem, “Três meses de pesquisa na Itália” deram subsídios a confeiteira da família proprietária da Cantina criar “uma linha de biscoitos [...] com 10 sabores que remetem a regiões italianas” (do país Itália de hoje, frise-se). A reportagem menciona o sucesso que as iguarias têm obtido, ultrapassando as fronteiras do pequeno burgo gaúcho.

Ou seja, há poucos anos atrás, em uma viagem a Itália, recolheram-se ideias e, de volta ao Brasil, criou-se uma linha de biscoitos que não havia, que nunca foram feitos e degustados nas colônias de ítalo-descendentes ao longo das suas histórias iniciadas no século XIX no Estado (RS). Mas que agora, por meio da experiência no estrangeiro e empenho da confeiteira da Cantina em Severino Almeida, se tornaram “especialidades típicas”... Mas "típicas" não no sentido de “antigas”, e , sim, de característico de um processo de “invenção da tradição”, sendo algo que potencializa as vendas dos confeitos, que se tornam elementos distintivos, portadores de um lustro histórico e identidade étnica valorizada. Poderíamos dizer que é um embuste, mas que funciona...

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