28 de dez. de 2012

Semente do amanhã - 2013, o mundo sempre está começando!

Deixo aqui a minha mensagem para 2013, na forma da letra de uma canção clássica do Gonzaguinha (mas parece que a letra é do Erasmo Carlos), que colo ali abaixo.

Em tempos de “fim de mundo”, de um comercialismo desenfreado, de um Natal vazio de reflexão, a canção diz muito em sua simplicidade, sem apelos místicos, mas cheia de confiança e boa-vontade.

Abraços e felicidades a todo mundo!

Iuri


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SEMENTE DO AMANHÃ

Ontem um menino que brincava me falou
que hoje é semente do amanhã...

Para não ter medo que este tempo vai passar...
Não se desespere não, nem pare de sonhar

Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs...
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá!

Nós podemos tudo,
Nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será


***Fonte da letra e link para um vídeo da canção: http://letras.mus.br/gonzaguinha/280650/

Santa Cruz: história, nostalgia e germanofilia

Compartilho com vocês alguns comentários que fiz com outras pessoas:

Paralelo ao meu gosto por literatura e ao que se refira a, digamos, questões sociais, tenho uma militância já de 12 anos no campo da promoção da comunidade negra aqui em Santa Cruz, iniciada lá no Coletivo de Estudos e Debates Étnico-Culturais (Cedecs), que foi dar no GT-Afro (Grupo de Trabalho pela Promoção da Comunidade Negra), que puxou e colaborou bastante na construção do COMPIR, hoje lamentavelmente, na prática, extinto por “obra” da própria administração municipal, produzindo um desestímulo geral na mobilização em prol da valorização e inserção cultural e socioeconômica do povo negro.

Pois esse interesse me fez acompanhar o que saía e sai na imprensa local, desde que vim morar em Santa Cruz, lá pelo ano 2000. Obvimante, lia as crônicas do Guido Kuhn.

De fato, seus textos eram muito atraentes; havia um sabor agradável, dado por uma abordagem nostálgica e paroquial, falando do “nosso passado”, das “nossas coisas” e da “nossa gente” –  e aí começavam os problemas: que passado, coisas e gente eram essas?

Assim, mesmo admirando a capacidade de escrita e a sedução das palavras, não comungava com uma certa postura/concepção que emanava dos seus textos, ou seja, uma essência germanófila, aquém do que eu sempre espero de alguém que pretenda-se ou repute-se um pensador/narrador da transição dos séculos XX para o XXI, mesmo quando fala da sua aldeia, como propalava Tolstói.

Guido tem sua importância, sim, mas não pode ser louvado acriticamente, sob pena de endossarmos um discurso etnicamente apologético e excludente, calcado numa historiografia romântica, “edificante”, moralizadora e, sobretudo, definidora dos “donos do pedaço”. E nesse sentido, os romances (ou seja, as ficções) dos santa-cruzenses Wilson Muller, “Pequena História de Amor”, e de Valesca de Assis, “Valsa da Medusa”, são muito mais ricos ao falarem do passado de Santa Cruz, e, aí sim, à altura de uma proposta “tolstoiana” de “pintar (ou contar) a sua aldeia para ser universal”.

Apresentei para própria prefaciadora a minha “ressalva”. Escrevi, repetindo o argumento acima, que, “mesmo gostando de ler e achando interessante várias abordagens do Guido em suas crônicas, sempre o critiquei respeitosamente pelos seu viés germanófilo, reforçando uma historiografia e cultura santa-cruzenses por demais romantizada, apologética e calcada numa visão etnicamente subalternizadora de outros grupos formadores da grande comunidade santa-cruzense, ‘esquecendo’ que a história real começa com o povoado conhecido como Faxinal do João Faria (sesmeiro estabelecido com sua parentela, agregados e trabalhadores negros escravizados onde hoje é o centro da cidade), décadas antes da introdução (em 1849) dos sem-terra teutos (nenhum era propriamente de nacionalidade alemã nas primeiras levas, já que sequer existia o país Alemanha até 1871) no loteamento estatal (provincial) de Linha Santa Cruz (Picada Alta) – originalmente um caminho indígena e imediações de pequenos quilombos espalhados pela serra santa-cruzense”. Complementei, dizendo que “temos uma história rica, diversa, complexa que costuma ser soterrada por mitologias de quintal. Mesmo que com textos saborosos (quase sempre saudosos), considero o Guido uma espécie de ‘intelectual orgânico’ (no sentido gramsciano [Antonio Gramsci, pensador italiano]) da germanidade, para mim um flerte semiconsciente (e impontente, por seu pequeno alcance em um mundo com tantos outros atrativos, especialmente aos jovens) com ideias como o arianismo”.

Não houve resposta.

Não li o livro. Quero fazê-lo. É sempre importante organizar os trabalhos de escritores locais. Não esquecendo que Guido Kuhn, assim como Monteiro Lobato, são, sim, “homens do seu tempo”. Não necessariamente “na altura” do seu tempo – porque os tempos onde viveram estas pessoas (ao menos em parte) – já no meio ou no pós-Segunda Guerra – já exigiam posturas integradoras, de rompimento com preconceitos, abarcando a complexidade do mundo. E por isso não podem ser lidos sem se considerar limites ideológicos, de formação, que povoam suas (nossas) mentes. Lobato, por exemplo, filiava-se as concepções da eugenia, pseudociência que preconizava a “purificação da humanidade pelo seleção de raças” (brancas, é claro!) e expressou seu preconceito em várias partes de suas obras (inclusive as infantis, como Caçadas de Pedrinho) e em escritos não-literários, como cartas a amigos.

Todos nós dificilmente escapamos das ideologias dos nossos tempos, que nos moldam. Por isso, não dá para endossar e, até, endeusar (ou idealizar) o que é obra humana. Por mais querido que possa ser, Guido e seus escritos não fogem de uma visão de mundo longe de ser aberta, abarcando a complexidade do mundo em que vivemos e da própria existência humana. Em Santa Cruz do Sul, não somou para a construção e valorização da pluralidade étnica e uma historiografia local mais realística (menos apologética) e abrangente; pelo contrário, postulou, direta ou indiretamente, por uma germanidade local exclusivista e idealizada. É a minha opinião.

“163 anos de imigração” e muita gente esquecida

Iniciativas locais para relembrar o passado podem ser muito boas. O problemas são as apologias, que, ao mesmo tempo que louvam alguns feitos – esquecendo que, na história humana, também sempre há, em meio a virtudes, vilanias, perfídias, fracassos –, não se referem a complexidade dos fatos e subalternizam outros grupos, mesmo que sem a intensão deliberada.

Uma das complexidades patroladas por aqui é – só para começo de conversa – o do termo germânico. “Magicamente”, se homogeneíza e pasteuriza o que foi uma diversidade de povos europeus e outras singularidades de grupos, pessoas, contextos sociológicos, históricos etc. que empurraram milhares de pessoas para o Brasil a partir de meados do século XIX, para falarmos do início dos planejados assentamentos rurais aqui no Vale do Rio Pardo.

E qual o objetivo disso? Da homogeneização e pasteurização? Ora, fomentar o turismo... E, enfim, inconfessadamente, o (pre)domínio étnico-político no município, é claro!

Isso já foi exposto muitas vezes, mas o efeito ainda é pequeno e entristece ver-se o nível de nossa reinante mediocridade no campo historiográfico e simbológico, contradizendo até mesmo como hoje se estuda a história da Brasil e mundial no nosso ensino fundamental, ou seja, criticamente.

Recentemente, em um convite para um evento de “163 anos da Imigração”, que ocorreria em Linha Santa Cruz, o texto, ao reforçar o relato sobre a “origem germânica” da localidade – e por extensão (o “mito fundador”), de toda Santa Cruz do Sul – não menciona, por exemplo, que o primeiro nome conhecido de Linha Santa Cruz não é “Alte Pikade”, e, sim, Picada do Abel, referência ao tenente-coronel Abel Corrêa da Câmara, que, através de seu capataz, Delfino dos Santos Morais (MÜLLER, 1999), abriu a estrada (picada) entre o Faxinal do João Faria (povoado muito anterior a Linha Santa Cruz) com a região serrana, ligando, assim, esta parte do planalto com a cidade de Rio Pardo e o seu importante porto à época (MENEZES, 1914). E não esquecendo que toda a região era habitada, desde tempos imemoriais, por vários grupos indígenas (RIBEIRO, 1993) e, inclusive, o caminho da Picada do Abel foi traçado provavelmente com referências a trilhas indígenas usadas por séculos. Também o texto não menciona que o profissional que executou o loteamento rural de Linha Santa Cruz, um projeto do governo provincial do Rio Grande do Sul (financiado com recursos públicos gerados, inclusive, pelo trabalho escravo), tinha também um significativo nome, aludindo a uma inequívoca luso-descendência, o engenheiro Frederico Augusto de Vasconcelos Almeida Pereira Cabral (MÜLLER, 1999).

Há alguma homenagem ou mesmo leve referência a tais personalidades e aos trabalhadores acaboclado e negros que colocaram a mão na massa na abertura das primeiras picadas, pontes, os lotes e outras infraestruturas, incluindo muito especialmente em Linha Santa Cruz, a antiga Picada do Abel? Não, obviamente. E aí está a um reiterado exemplo da estratégia (consciente ou inconsciente) de reduzir a história santa-cruzense a uma apologia monoétnica, social e intelectualmente empobrecedora, além de traidora da verdadeira teuto-brasilidade, transformada na caricatura bizarra ao ser representada por coisas como a Oktoberfest (KOTHE, 2001).

Até quando vamos ficar contando a história e desenvolvimento de Santa Cruz de um jeito tão limitado, tão discriminador, tão deturpado? A Associação de Moradores de Linha Santa Cruz, promotora do evento alusivo aos “163 anos de Imigração” (19/12/12), tem dado provas de estar a serviço de tal “simplificação” bastante questionável. Sim, é possível e bom homenagear. Mas podemos pensá-la de um jeito mais abrangente, e de uma forma que realmente fomente a integração comunitária ao invés de uma germanofilia mal disfarçada, além de artificial.

27 de dez. de 2012

Mãos - podem não ser divinas, mas são fantásticas!

Outra reportagem da National Geographic Brasil para a gente ficar fascinado. Não, não é sobre alguma paisagem exuberante, uma ilha paradisíaca, o boto cor-de-rosa no Amazonas ou leões caçando na África. É sobre... a mão humana – e a sua ligação com as “mãos” de outros animais. O número de dedos, o número de ossos, suas articulações; o pulso, antebraço e braço têm tanta similaridades, que é impossível não ver evidenciado uma ancestralidade comum entre uma gama de animais, de golfinhos, passando por gatos, elefantes, morcegos e rãs (afora as estruturas menos similares, com os pés de pássaros etc.).

“A mão é o elo entre a nossa mente e o mundo”, diz a primeira linha da reportagem de Carl Zimmer, magnificamente ilustrada por Bryan Christie, saída na edição de maio de 2012 da revista. Lá pelo meio da matéria, Zimmer escreve: “Nossas mãos começaram a evoluir, pelo menos 380 milhões de anos atrás, de nadadeira musculares e encorpadas de parentes extintos dos atuais peixes dipnoicos,  aqueles dotados de bexiga natatória”.  Ele nos conta que houve mãos as mais exóticas imagináveis (ou inimagináveis). Por volta de 340 milhões de anos atrás, ou seja, 40 milhões de anos depois de ter iniciado a sua evolução o formato de cinco dedos se consolidou em alguns animais, resultando nas mãos e patas de diversos mamíferos, cada qual com características tão “geniais” e complexas quanto úteis (ou imprescindíveis) para a sobrevivência específica em determinados meios.

Para quem tem uma resistência à ideia de que “descendemos do macaco” – uma simplificação bisonha, nem de toda improcedente (já que derivamos de primatas, nós humanos, chimpanzés, gorilas...), mas que, por supostamente nos “diminuir” (os humanos e sua arrogância, feita a partir de histórias de “imagem e semelhança” a um Todo Poderoso criador de Tudo); pois alguns negam categoricamente tal cadeia de relações, ou acreditam que haja algum sopro divino em algum ponto da história, singularizando os humanos. (O mais grosseiro [ou infantil] nessas “hipóteses” é a de termos surgidos como coelhos puxados por uma mágico de em uma cartola...)

OK. Somo filhos do Manda-Chuva Mor. Tudo para nos acharmos o último bombom da caixa! O mais delicioso, desejado, raro, único... O que não fazemos para proteger este nosso pobre e esfumaçante ego esmagado pelo peso do cosmos?!

Mas o que importa é dizer que, sim, as mãos são uma maravilha da natureza. Nem por isso precisamos definir que tal estrutura fantástica decorra de “algo transcendental”. Por que não considerar que, mesmo com este fabuloso corpo que temos, ele é naturalmente limitado – incluindo nosso aparato cerebral – , sendo precipitado qualquer conclusão ad aeternum, dogmática, fechada, imutável. Trata-se, na minha opinião, de puro medo e ansiedade – medo e angústia de não ter uma resposta cabal; da impaciência em aguardar, antes de “concluir” com alguma “verdade final”; uma certa angústia em se manter à procura; quem sabe não haja logo adiante algum “pulo do gato” que nos faça “ver mais”, subvertendo, como temos feito seguidamente, os nossos limites físicos e biológicos, desafiando-os com ousadias de um Prometeu, do mito grego, ou de um Anjo Caído, da mitologia judaico-cristã.

Muitas vezes temos quebrado a cara e posto em perigo a própria existência. Mas lampejos nos levam, pelo estudo metódico e a sensibilidade alerta, a transcender fronteiras aparantemente intrasponíveis até ontem (hoje já se opera fetos no útero das mães, entre outras coisa ainda mais improváveis).


***A dimensão da fantasia, do fantásticos, do mítico, da imaginação, do próprio devaneio, da especulação aparentemente mais descabida são fundamentais para construirmos as explicações – sempre tentativas, mesmo as “científicas”, já que precisamos considerar todas as indicações de nossas naturais limitações enquanto mamíferos habitando este ecossistema terreno, tendo um cérebro moldado a quase perfeição (como as mãos!) para nossas primatas necessidades de sobrevivência, mas que, miraculosamente, abriu “fendas” para espiarmos uma imensidão “incomensurável”, como disse Thomas Kuhn, o cara do “A Estrutura das Revoluções Científicas”, que popularizou o hoje quase abusado termo “mudança de paradigma”.

13 de dez. de 2012

E o papa tuitou

Uma amiga me repassou a notícia:

O papa Bento XVI tuitou pela primeira vez nesta quarta-feira, durante sua audiência semanal, no auditório Paulo VI, no Vaticano. Bento XVI escreveu em seu iPad uma mensagem de saudação aos mais de 670 mil seguidores. "Queridos amigos, estou feliz por entrar em contato com vocês pelo Twitter. Obrigado por sua resposta generosa. Eu abençoo a todos de coração", disse.

Pois até o papa tem conta no Twitter e usa tablets... E com certeza o Vaticano está no Facebook, a grande rede de contatos, informação e interação, que está marcando o século 21 com novas formas de comunicação.

Essa situação sempre me chama a atenção – da Igreja (ou das igrejas) usar (em) a tecnologia. Há uma contradição, me parece. Todo o moderno aparato tecnológico foi construído “apesar” da religião judaico-cristã (entre outras). Física, química, engenharia, biologia etc. não tiveram um livre-desenvolvimento por intervenção de “sacerdotes”. Até hoje, avanços na medicina, como as possibilidades de uso de embriões, é travado por uma visão ortodoxa, da Idade do Bronze, época em que o Velho Testamento foi moldado – por isso são preceitos de tribos patriarcais seminômades das imediações do Mediterrâneo. Estudiosos e pensadores, mesmo cristão, como Giordano Bruno, foram mortos pela sua própria igreja (no caso, pela inquisição - Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício); outros, foram duramente censurados, sob ameaças de tortura e assassinato, caso de Galileu Galilei. E até hoje esse sectarismo violento (virulento, também), anti-liberdade e anticientífico é praticado mais ou menos explicitamente por instituições religiosas e seus “fiéis” exaltados.

Talvez essa adesão a crenças irracionais e antiquadamente preconceituosas – enquanto usufruímos de produtos das engenharias mais sofisticas – seja culpa da nossa alienação em amplo sentido. Vivemos na superfície de tudo. Assim como não sabemos praticamente nada do que existe internamente e como funciona eletronicamente um telefone celular (apenas apertamos os botões na superfície do teclado ou tela), assim também não sabemos praticamente nada sobre as bases históricas, psicológicas e sociológicas da fé em, por exemplo, Nossa Senhora Aparecida. Em plena procissão a Santa, ligamos para nossa avó, para saber se tudo está bem em casa. Em ambos os casos – caminhar num evento que reverencia uma virgem que concebeu imaculada e usar o sistema de telefonia móvel –  o nosso nível de consciência da complexidade envolvida no que está acontecendo é baixíssimo; nossa ignorância – no sentido técnico de falta de conhecimentos – é altíssima. Agimos como macacos puxando alavancas para ganhar uma banana.

Acho que o potencial humano vai muito além de puxar alavancas. Somos analfabetos funcionais na leitura das coisas que nos rodeiam. Precisamos urgente de um “mobral” científico-histórico-filosófico para entender o que de fato está sendo dito; não só assinar o nosso nome em documentos que não sabemos o conteúdo.


***Ao se referir a políticos e burocratas fundamentalistas na cabeça de governos como o do Paquistão, o jornalista Christofer Hitchens, em seu livro “Deus não é grande – como a religião envenena tudo” (Ediouro, 2007), uma denúncia veemente contra o obscurantismo e sectarismo religiosos, diz o seguinte:

“É uma ironia trágica e potencialmente letal que aqueles que mais desprezam a ciência e o método de livre investigação tenham sido capazes de surrupia-lo e incorporar os produtos sofisticados dele a seus sonhos doentios [de morte e destruição em massa].”

Calendário maia, fim do mundo e sorvete na testa



Nem mesmo a prestigiada revista brasileira de divulgação científica, a Ciência Hoje, escapou das confusões sobre as “profecias” do 21 de dezembro. Confusões estas que ficam à beira, por um lado, da histeria e, por outro, da piada. Estamos diante do “fim do mundo”, baseado no que estaria inscrito num calendário de nativos mesoamericanos, os maias.

Em sua edição número 295, ao abordar o assunto – “2012, afinal, é o fim do mundo?” – a Ciência Hoje publicou em sua capa o que deveria ser uma pedra esculpida, se referindo ao tal calendário maia. Na edição posterior, os editores reconheceram o “furo”: se tratava de uma imagem de um objeto... asteca... Não foi culpa do autor da matéria. O próprio banco de imagens de onde foi comprada a ilustração catalogava como “calendário maia”. Falhou a revista em checar isso muito bem. Em todo o caso, a matéria é boa e vai abaixo o link para quem quiser ler o que está no site da publicação.

Se a Ciência Hoje, uma revista sob responsabilidade da  SBPC, uma tradicional organização de cientistas renomados, atuando pelo desenvolvimento da ciência ; se este pessoal não fez a revisão devida e deixou passar tamanho engano, fico pensando quanta  bobajada está sendo dita, mostrada e repetida por aí. Aos enganos por lapsos e desconhecimento, some-se o que estão produzindo os “espertos”, sempre a fim de explorar esta nossa atávica nostalgia judaico-cristã do apocalipse. Vendem-se manuais, amuletos, “programas de salvação” etc. E mesmo sabendo que se trata de mais um sorvete na testa, daqueles de duas bolas grandes (chocolate e morango), socamos a guloseima com um sorriso cândido, prenhes de esperanças infantis...

O fato é que no dia 21 de dezembro (daqui dez dias!) vai ser aquela mesmice mundial: acidentes, assassinatos, tempestades – um desfile de tragédias maiores e menores trazidas pela imprensa. Alguns vão dizer que “Está aí, começou, mesmo, o fim do mundo!” – e não vai adiantar nada ponderar coisa alguma. Quem quer acreditar, vai acreditar, e quando chegar o frustrante vigésimo primeiro dia do último mês do ano... vai embarcar em alguma desculpa (adiou-se o fim do mundo por conta de uma intervenção de Asthar Sharan, por exemplo). E logo-logo se terá mais uma previsão de armagedom e um bom tempo para se comprazer com a mais nova (e mórbida) esperança de que – “desta vez pra valer” –  tudo vai acabar, enfim...

Afora os “apocalípticos clássicos”, há os que são adeptos – ou acabaram aderindo, tal a evidência da bazófia – para ideias não das explosões cinematográficas, da morte em massa, de gritos e uivos, mas de “uma nova era”, um novo ciclo... Bem, um novo ciclo começa todos os dias com a rotação da Terra e toda a coreografia (ia dizendo dança) dos planetas, estrelas, satélites naturais etc. que compõem a nossa galáxia e o universo que conhecemos. Todos os dias o mundo “termina” e “recomeça”, Sol e Lua, claro e escuro, vigília e sono, pintassilgos e morcegos... Não seria uma boa aproveitar isso e renovar a nós mesmo a cada transposição do dia e da noite; quem sabe buscar ir mais adiante em nossos esforços por conhecimentos embasados, ajudando a construir uma civilização mais harmônica, sem apelos patéticos ao irracionalismo e a emocionabilidade?

Acho que muito dessas expectativas “bíblicas” são geradas por insatisfação e angústia. Muitas pessoas não gostam de suas vidas e se sentem pressionadas por um mundo muitas vezes duro, cheio de injustiças e desgraceiras várias (crianças sendo prostituídas, florestas nativas desmatadas, autoflagelação em nome de Jesus...), onde estamos cheios de “responsabilidades” – contas a pagar, um chefe chato, enxaqueca, segundas-feiras etc. Um belo fim do mundo seria uma oportunidade de “zerar” as coisas e reiniciar tudo de novo!


***Quem puder, leia a matéria da Ciência Hoje que me referi: uma das coisas interessantes é a desmistificação da “harmonia” dos povos antigos da mesoamérica. Os maias, por exemplo, que não estão “extintos”, entraram em decadência por contas de guerras de poder e destruição ambiental. Estão longe desta ideia de uma civilização de sábios, zens, “evoluídos”. Óbvio que a grandiosidade de cidades, seus monumentos, técnicas de escultura, arquitetura, avanços na agricultura, na escrita, na astronomia, entre outros, são admiráveis. Mas também havia uma profusão de sacrifícios humanos, tortura e antropofagia rituais, ou seja, muito sangue, carne e vísceras humanas para aplacar deuses e saciar fomes.

http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/295/2012-afinal-e-o-fim-do-mundo

7 de dez. de 2012

Físico diz que conhecemos menos de um centésimo de milionésimo de bilionésimo do que compõe o universo (0,0000000000000001%)

Na coluna do físico George Matsas, na edição do mês de setembro passado da revista Ciência Hoje, ele fala do bóson de Higgs. E diz algo que me surpreendeu, que é o seguinte:

“(...) o bóson de Higgs está longe de completar o quebra-cabeça das partículas elementares. Argumentos teóricos sugerem que conhecemos menos de um centésimo de milionésimo de bilionésimo (10 na potência menos 15%) do conjunto total de peças [do atual Modelo Padrão das Partículas Elementares]. Assim, a menos que o restante do quebra-cabeça consista de uma enorme moldura branca de peças desinteressantes, ainda termos muito a aprender.”

Sim, “temos muito a aprender”... E mais: Matsas fala que, “De fato, dados provindos da astrofísica e da cosmologia têm indicado que aproximadamente 23% de toda a matéria do universo não é feita de prótons, nêutrons, elétrons, nem outras partículas do Modelo Padrão. Essa matéria desconhecida foi apelidada ‘matéria escura’, pois não é diretamente visível. (...) Tudo indica, portanto, que, no futuro, o Modelo Padrão terá de ser ampliado.”

Num parágrafo anterior, o físico, que é professor na Universidade Estadual Paulista, explica o que seria o tal Modelo Padrão: “O Modelo Padrão das Partículas Elementares (ou, simplesmente, Modelo Padrão) pode ser entendido como um grande quebra-cabeça. Cada peça representa uma partícula, enquanto a forma como se encaixam descreve a relação entre elas. Todas as partículas do Modelo Padrão que haviam sido teorizadas acabaram sendo encontradas. Faltava apenas o bóson de Higgs.”

Ou seja, apesar dos avanços, estamos a milhas e milhas (ou melhor, a anos e anos luz) de compreendermos todo o mistério da matéria ou energia ou seja lá o que componha o nosso cosmos, incluindo a nós mesmos. Entretanto, não sejamos apressados em “concluir” que “A FÍSICA” ou “A CIÊNCIA” confirmam que existe “algo além”. Certo, existe “algo além”, mas tudo indica que nada tenha a ver com fadas, santos, espíritos desencarnados e ETs do bem e do mal.

De qualquer modo, o tamanho descomunal do nosso desconhecimento enquanto humanos – e que gera tantas tentativas de explicação que remetem ao lendário, ao inabordável e ao irracionalismo – deve servir para não nos arrogarmos “senhores do universo” ou deste planeta que coabitamos com inúmeras espécies coirmãs (em termos de origem, lá no mesmo caldo primordial).

A ciência, por definição, cria explicações provisórias, ciente de suas falhas e sempre a pedir testes renovados. Mas o que dizer das religiões sectária (quase todas, infelizmente), que pretendem ter “a” explicação cabal, final, “imexível”, e, por isso, ditando o que é certo e errado para todo sempre? Na minha opinião, com exceções, são ideologias perversas, por limitarem as possibilidades do intelecto humano, além de reprimir outros tantos potenciais para o desfrute da vida. Em nome de Deus se cometem inúmeras barbaridades, incluindo a autoflagelação mental...

***Para ver todo o artigo de George Matsas, vai aqui o link: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/296

A lancha

Esta semana, voltando para casa, passamos na estrada em frente ao posto de gasolina perto do trevo de acesso ao nosso bairro. Lá estava estacionado um big caminhão, levando em sua carreta uma portentosa lancha – quase um iate. Sem brincadeira, era muito próximo ao tamanho e volume da nossa baiuca... mas devendo custar no mínimo 10 vezes mais! E seria usado por algum bacana em alguns momentos do seu “lazer”, num lago ou rio por aí.

A nossa conversa derivou para isto: Como alguém pode ser dar ao luxo (literalmente!) de comprar e possuir tal objeto (custos com taxas e impostos anuais também não deve ser nada baixos)? Objeto, diga-se, tão caro quanto supérfluo. Como esta pessoa consegue gerar tal dinheiro para tamanha aquisição de deleite ocioso? É por trabalho? Pelo seu trabalho? Puro trabalho individual?

Óbvio que não pode ser. É uma incompatibilidade, uma incongruência, uma impossibilidade. Explico: por mais que alguém tenha excepcionais capacidade e empenho de trabalho, não há como transcender limites físicos, corporais (trabalho braçal), intelectuais (trabalho mental), ou seja, não há como o indivíduo trabalhar muito acima da média de esforços e habilidades dos demais trabalhadores do planeta Terra. Em algum momento, de algum jeito, para “possuir” bens caríssimos, se está ganhando muitíssima vezes mais do que a sua energia individual despendida em trabalho. Tal sujeito, necessariamente, está abocanhando (amealhando?) recursos que não são gerados pelo seu próprio trabalho; alguém, alguns ou milhões de outros humanos estão sustentando este acúmulo material, este excedente (excesso?) de riquezas médias geradas por trabalho real de um ser humano.

Não é por nada que os anarquistas dizem que toda a fortuna é um roubo, ou, ao menos, uma tremenda injustiça num mundo onde todos são biologicamente iguais, ou com bastante semelhanças em termos de inteligência e habilidades físicas. A “esperteza” é o que parece definir o “diferencial”. “Esperteza” que também pode ser definida como uma imoralidade, ou sacanagem, travestida de “ousadia”, “empreendedorismo”, “senso de oportunidade” e outras retóricas de sustentação do plutonismo ou riquismo.

O fato me parece matemático: o dinheiro que sobra ou jorra para alguns, falta ou escafede-se para muitos. A pobreza grassa num mundo de uma elite de milionários, bilionários, trilionários...

E como isso é justificado, explicado? Como dormir em sua cama king size, passear pela cidade em seu Rolls-Royce Phanton, comer em um restaurante com pratos a partir de 180 reais enquanto crianças de 10 anos são prostituídas logo adiante na esquina? Uma das formas de explicação, com certeza, é pela “intervenção divina”, ou seja, pela atuação de Deus. Ele é dadivoso aos seus preferidos;  seria um pecado rejeitar as Suas benesses – mesmo com idosos morrendo sem atendimento em hospitais e tendo as cadeias cada vez mais abarrotadas, animalizando aqueles que deverias estar sendo “reeducados” (ou algo assim). Outrossim, concebe-se (sarcasticamente, só pode ser) que problemas sociais nada têm a ver com o acúmulo estratosférico de riquezas.

Afora tais explicações religiosas e ideológicas, a riqueza ostensiva e ostentatória deveria revoltar, em especial os bilhões que vivem à míngua. Entretanto, o controle massivo das mentes é tamanho, que os temores de ser apedrejado passeando em sua mega lancha ainda são pequenos...

(Talvez também se tenha que considerar atavismos humanos, num formato hipertrofiado, de quando andávamos em bandos e havia machos-alfas e a ostentação se impunha como um mecanismo de expansão genética do indivíduo...)