9 de out. de 2013

O outro lado oculto da moeda


Domingo passado olhei um filme que há tempos estava na minha “lista” (quase infindável) de “imperdíveis”:

“A Fita Branca”

E de fato é um filme imperdível – especial para quem gosta de assuntos como história, cotidiano, educação, cultura e por aí.

Colo aqui a sinopse:

“1913. Em um vilarejo no norte da Alemanha vivem as crianças e adolescentes de um coral, dirigido por um professor primário. O estranho acidente com o médico, cujo cavalo tropeça em um arame afiado, faz com que uma busca pelo responsável seja realizada. Logo outros estranhos eventos ocorrem, levantando um clima de desconfiança geral.”

A direção é do cultuado austríaco Michael Haneke, que já dirigiu obras como "Amor" (indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013) e "A professora de Piano". Tem 71 anos, filho do ator e diretor alemão Fritz Haneke e da atriz autríaca Beatriz von Degenschild, tendo estudado psicologia, filosofia e teatro na Universidade de Viena, sendo professor da Viena Filmacademy. Ou seja, é para lá de credenciado.

Recomendo o filme como antídoto ao tipo de descrição e celebração acríticas, que faz do passado de comunidades – no caso de Santa Cruz, as teuto-brasileiras – algo bucólico, reunindo somente virtuosos e situações edificantes. “A Fita Branca” é um soco no estômago e duvido que se consiga olhá-lo sem um grande desconforto. Como faz estrategicamente o pastor, alguns continuarão insistindo nas aparências e métodos comprovadamente falhos (perversos), mas outros talvez (eis a esperança) consigam relativizar e analisar a nossa historiografia (narrativas) sem cair na apologia saudosista, de uma parcialidade e limitação que levam a exclusão em nome de exclusivismos étnicos, além da possibilidade de produzir monstruosidades.

“A Fita...” me remeteu, também, a romances de escritores vinculados a Santa Cruz do Sul, que acabam por fazer um papel bem melhor do que os pretensos livros e crônicas “históricas”, produzidas por certa intelectualidade que poderíamos categorizar como germanófila. Falo de obras como “A Asa Esquerda do Anjo”, de Lia Luft; “A Valsa da Medusa”, de Valesca de Assis, e “Pequena História de Amor”, de Wilson Müller. Recomendo-as com ardor, porque falam da complexidade das relações humanas, sem fugir de decepções, mas sem perder a beleza que é a vida e a universalidade que nos une enquanto humanos de qualquer história, etnia, sobrenome, poder econômico etc.

A comunidade que Haneke retrata é uma aldeia interiorana, que vive ainda num sistema de domínio de um barão, dono das maiores áreas de terra, empregando grande parte da população do povoado, onde existe o que seria uma verdadeira oktoberfest, a “festa da colheita”, quando os pobres trabalhadores (quase servos) e seus familiares podem ter um dia inteiro de farta alimentação, beberrança e outras diversões populares, numa tentativa de compensação a um cotidiano duro, de muitas privações.

A rigidez da educação religiosa mostra onde chega: a disciplina austera, de castigos corporais (tapas na cara, mãos amarradas etc.) e psicológicos (humilhação privada e pública) gera a contravenção às escondidas, com atitudes igualmente cruéis, como surras em indefesos e provocação de “acidentes” fatais. “Sob a capa da harmonia, o filme esconde a gênese do que de pior existe no ser humano”, diz André Negri em sua resenha na revista Bravo (março de 2010).

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