6 de fev. de 2014

COMUNICADO (hehe!!)

Pessoal,

Cada vez mais, tenho feito postagens na minha página no Facebook. Então, só às vezes estou "transferindo" ou, menos ainda, postando textos diretos por aqui.

Quem "por acaso" tiver interesse nos meus comentários, sugiro dar uma espiada de vez em quando lá. O endereço é o seguinte:

https://www.facebook.com/iuri.azeredo

Leva de comentários que estavam lá no Facebook...

Um Müller de Santa Catarina é citado 16 vezes já nas primeiras edições de “A Origem das Espécies”, de Darwin, que o tinha como grande amigo e colaborador exímio...

A importância de Fritz Müller é tal que a mais prestigiada e antigas revistas científicas até hoje publicada, a Nature, dedica, em 1897, um obituário ao "colono de Blumenau" (minha citação), levantando a questão se teria havido (citação da reportagem indicada abaixo) “algum outro naturalista, além do próprio Darwin, deu ao mundo uma massa tão ampla e original de observações na qual a seleção natural fosse tão consistentemente fundamentada”.

*Interessante considerar o entusiasmo e inteligência de Fritz Müller, um legítimo teuto-brasileiro, nascido no que seria a Alemanha, naturalizado brasileiro, falecido e sepultado em Blumenau, ou seja, alguém aqui tão próximo geográfica e culturalmente, não tenha o reconhecimento – ou sequer tenhamos notícia alguma – sobre sua vida e obra verdadeiramente extraordinárias (eu sei algo por leituras esparsas). Desconfio que sua marginalidade tenha “a ver”, entre outros “fatores”, à rejeição ainda muito presente e operante mentalmente – se não de forma consciente e arbitrária, de modo inconsciente e escamoteado, e em que pese a difusão da ideia evolucionista, sem que se tenha a plena noção de sua radicalidade, e assim continuemos a nos ter e “querer ser” seres “superiores” e “apartes” do processo cosmo-biológico do planeta Terra, como propões religiões e ideologias, sejam reacionárias ou “progressistas”. Müller e Darwin são incômodos para este pensamento “Eu sou Filho de Papaizão” e por isso “limá-los” das nossas vidas atormentadas pelo “The Great Nothing” – nada a ver com niilismo, mas uma consideração que julgo importante para “não cair na tentação” de dizer o que existe na mais pura escuridão maravilhosa e enigmática, onde nossas mentes desenvolvem muitas fantasias, entre elas, as salvacionistas, de fuga da solidão, do medo atávico da morte.

**As citações estão na reportagem de Margherita Anna Barracco e Cezar Zillig no site SAB:
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/parceiro_de_charles_darwin.html

(Uma observação: no texto da SAB é mencionado um Museu Fritz Müller em Florianópolis, mas provavelmente se refere ao de Blumenau, SC. Se alguém souber de algo diferente, agradeceria o contato.)

***Na ilustração do comentário, o genial e pouco conhecido Fritz Müller, “colono e naturalista”; ao fundo, vegetação da mata catarinense.




“Durante certa época também se considerava ‘esclarecida’ a atitude de não somente deixar as crianças chorarem e gritarem, como ainda a atitude de não as alimentar segundo suas próprias necessidades, mas sim de acordo com um horário preestabelecido. E, sobretudo, o credo máximo era o de que o bebê precisaria ser acostumado desde o início a dormir sozinho no quarto. Qualquer filhote animal de uma espécie de atividade diurna, que ainda depende dos cuidados maternos e paternos, fica exposto à morte praticamente certa se na escuridão mais profunda perder a sua família. É um programa teleonicamente pleno de sentido que neste caso leva o bebê, seja ele filhote de um ganso ou seja um filhote humano, a utilizar a totalidade de suas energias nervosas e musculares disponíveis para emitir para todos os lados os seus pedidos de socorro.” (p. 165)

As palavras são do austríaco Konrad Lorenz (foto abaixo), Nobel de Medicina, biólogo, grande autoridade e pesquisador em etologia, escritor de obras científicas, de divulgação e reflexão, como o livro que retirei a citação acima, o “A Demolição do Homem – Crítica à Falsa Religião do Progresso” (no Brasil, editado pela Brasiliense em 1986).

O parágrafo começa assim:

“A humanidade, que pensa e age de modo tecnomorfo e cientificista, desaprendeu, conforme já foi dito [nos capítulos anteriores], como tratar os seres vivos. Algumas décadas atrás [Lorenz está escrevendo no começo dos anos de 1980], isto se estendia até mesmo ao trato com os próprio filhos. Se tudo que tem alguma coisa a ver com sensações e emoções é considerado ilusório, se há uma orientação no sentido de se buscar uma psicologia sem alma, então, consequentemente e coerentemente, também não se há de sentir dó de um bebê humano que, deixado sozinho num quarto escuro, grita desesperadamente por socorro.”

*Há muitas “autoridades” que mantém esta ideia “espartana” de criação das crianças. Estão preparando-as para a “guerra”, quem sabe, também, para o ódio?? Lembro-me de ter lido com feliz surpresa, faz uns dois anos, o astrofísico Carl Sagan, no seu livro “O mundo assombrado pelos demônios”, justamente uma crítica ao afastamento do bebê da cama do quarto dos pais, entre outras atitudes. Um cara da genialidade e ampla formação como Sagan perguntava “qual seria o objetivo (e o resultado) desta frieza prussiana?” Acho que precisamos de amor, afeto, aconchego, “espírito de ninho”. Limites, obviamente. Mas, jamais, afastamentos, tortura, ainda mais na tenra idade.

**Outra que critica é Doris Lessing, a escritora britânica, Prêmio Nobel, nascida na Pérsia e criada na Rodésia do Sul. Ela narra em sua autobiografia (“Sobre a Minha Pele”) o nascimento e os primeiros anos de seus três filhos. Uma mulher com uma sensibilidade e inteligência primorosas, que viveu todo o período que vai do final da Primeira Guerra Mundial, a eclosão da Segunda, até os dias de hoje, falecendo no ano passado. Pois Lessing fala da perversidade dos métodos que tentavam racionalizar até mesmo as excreções dos recém-nascidos e bebês, sem falar na hora de mamar. Afastava-se a criança da mãe tão logo nascesse, para que tivesse “disciplina”, “independência” e este papo de “militaresco”, que prevaleceu por muitas décadas, apoiados em muitos “pedagogos”. Deve ser por isso que vivemos num mundo tão maravilhoso, com pessoas mentalmente muito saudáveis...

***“Por experiência própria”, sei o quanto pode, em determinados momentos ou contextos, ser esgotante criar filhos. Afora coisas como trauma pós-parto, que não julgo ser “bobagem”. Ao contrário. Ou seja: ninguém se torna “perfeito” pela maternidade ou paternidade. E ficar toda hora “se culpando” só vai aumentar o estresse. Pais, como quaisquer humanos, são falhos. Em todo o caso, não precisamos falhar demais, especialmente por conta de uma “puericultura” que parece se inspirar em certos quartéis – ascetismo, dureza, obediência cega, preparação para matar.




Uma curiosidade sobre Rio Pardo, Paulinho! Lendo a National Geographic Brasil de novembro passado (11/2013), uma das reportagens, “As doces imigrantes”, sobre as abelhas e a produção de mel no Brasil e mundo, entre muitas coisas interessantes, está o seguinte, na página 86 – que não é novidade alguma para nós, mas sai numa reportagem internacional, feita pelo repórter esloveno Simon Plestenjak, numa revista conceituada e muito lida:

“No Rio Grande do Sul, as primeiras técnicas da atividade foram postas em prática por alemães, como Frederico Augosto Hanemann e Emílio Schenk – em Rio Pardo, a 145 quilômetros de Porto Alegre, a fazenda Abellina, batizada (não à toa) por Hanemann, ainda está em pé, mesmo sem atividade apícola. Durante décadas, parecia que a apicultura de origem europeia seguiria se desenvolvendo em uma trajetória sem solavancos. Até que um lance mudou completamente o rumo da história das abelhas no Brasil.”

Bacana, né? Mais uma vez, parece que pouco nos ligamos ao que é local e tem um valor histórico e econômico fundamental. O Brasil está entre os 10 maiores produtores de mel do mundo. Metade é exportado e tem uma característica muito valorizada no mercado mundial: tudo vem de produção orgânica, diferente da de outros países.

E outro “mais uma vez”: Não se pense que a tecnologia de extração do mel chegou com os europeus por aqui:

“A produção de mel no Brasil não teve início com os jesuítas, conforme se acreditou durante muito tempo. Os índios, antes mesmo da chegada das primeiras naus europeias, já extraíam o produto das espécies brasileiras, entre elas a jataí, a tubuna, a manduri, a uruçu e a jandaíra.”

Bacana também é a comparação que Plestenjak faz:

“A história da apicultura brasileira tem tons dramáticos. Tanto que pode ser comparada à própria colonização humana do país: uma saga de criaturas nativas que se fundiram com europeias e foram depois poderosamente influenciadas pela presença africana. Até a formação de um tipo híbrido e definitivo. Bem brasileiro.”

A reportagem toda dá para acessar pela internet:

http://viajeaqui.abril.com.br/materias/abelhas-mel-apicultura-no-brasil

*Sobre Frederico Hanemann, fundador da Fazenda Abelina e rio-pardense de adoção:

É mais uma daquelas personalidades inteligentes, criativas, empreendedoras e pouco conhecidas ou caídas no esquecimento. Vindo do Reino da Saxônia (lembrando que a Alemanha nem existia antes de 1871), depois de passar por São Leopoldo, instalou-se em Rio Pardo, onde criou, em 1868, a Fazenda Abelina, que talvez pudesse ser categorizado como um empreendimento de produção e pesquisa, entre outras funções, inclusive com área de lazer para rio-pardenses, gentes da região e turistas. Inventor, desenvolveu em madeira uma máquina que retirava o mel por centrifugação (foto*). Introduziu espécies vegetais. Introduziu as abelhas “Européias Cárnicas”, que dizem “alemãs”, mas, provavelmente, sejam originárias da Eslovênia (a reportagem mencionada fala disso).

Hanemann, que tem o mesmo sobrenome do médico que desenvolveu a homeopatia, chegou ao Brasil com 34 anos, junto com a esposa. Sua filha nasceu em meio à viagem, no navio. Recebeu o interessante nome de Cosmopolitina – talvez mais uma indicação do espírito ousada de Frederico, querendo dizer que seu bebê era alguém “do mundo”, transcendendo fronteiras. Todo o caso, já em Rio Pardo, em 1884 o pai da menina vai se naturalizar, tornando-se plenamente um cidadão do brasileiro.

A dedicação à apicultura como “sistema racional” – difundido pelo país e também Américas e Europa – implicou também no “cultivo de árvores e pomares de floração melífera”. Os primeiros eucaliptos na região. Vinhedos, bem como a produção vinícola e de uma bebida chamada Hidromel, considerado “uma espécie de champagna”.

Hanemann, além de estudioso e leitor, teve até produção científica publicada em revistas especializadas. Por seu notório conhecimento e disposição comunitária, tornou-se consultor tanto do governo provincial como do ainda gigantesco município de Rio Pardo.

Ele e sua esposa faleceram respectivamente aos 93 e 92 anos, em 1912. Seu túmulo conjunto está na fazenda.

*As informações são retiradas dos sites e . A foto abaixo teriam sido “tiradas pelo seu tataraneto residente em Curitiba, Sr. Hanemann”.




Mencionei numa postagem anterior a Valentina Tereshokova...

Passou batido... Ano passado completaram-se 50 anos de uma outra façanha tecnológica, exploratória e aventureira dos humanos. Na "corrida espacial", os russos, mais uma vez, saem na frente, enviando uma mulher ao espaço em 1963, a bordo da nave Vostok-6, igualando-se ao feito "masculino" do seu conterrâneo, o cosmonauta Yuri Gagarin, dois anos antes.

Toda a história é fascinante, com inúmeros detalhes, derivações, situações admiráveis e outras deploráveis - como tudo que é humano. Valentina era filha de um tratorista e operária de uma fábrica têxtil no interior da então União das Repúblicas Soviéticas, que se apaixonou por paraquedismo, formando um clube de amadores da prática. As circunstâncias, depois, levaram a que fosse a escolhida no programa espacial "comunista", superando candidatos com credenciais acadêmicas - ela não passando de uma trabalhadora braçal, sem formação universitária. Entraram aí até mesmo a sua "formosura" e "adesão partidária" para fins publicitários do regime comandado por Nikita Khrushchov. Mas havia rigores psicológicos e físicos básicos, como o peso e a altura limitados, muito por conta do exíguo espaço das cápsulas orbitais.

Valentina Vladimirovna Tereshokova - seu nome completo - vive até hoje e possui uma presença ativa na política da Rússia pós-comunista. Aposentada já há tempos como major-general da força aérea, formada em engenharia, é deputada no parlamento da Federação Russa. Uma mulher que se sobressai: operária na juventude, paraquedista, piloto de nave espacial, engenheira e política no seu país. Que tenhamos mais mulheres assim!

*Fonte da imagem e informações: http://www.energia.ru/english/energia/history/tereshkova/tereshkova-bio.html




GOODYEAR & OS MAIAS

Um tipo de “futebol” era praticado na mesoamérica antes da chegada de Colombo no Caribe já no final do século XIII. Afora detalhes um tanto tétricos – caso de, entre os astecas, se sacrificar e comer a carne do capitão do time perdedor –, era usada na disputa uma bola de borracha, do tamanho da de basquete, pesando cerca de cinco quilos.

A borracha era vista com algo extraordinário, miraculoso, “vivo” pelos exploradores espanhóis, que foram chegando ao continente nos anos posteriores. “Conheciam a elasticidade de uma mola comprimida, de um arco esticado, mas sequer sonhavam com uma substância que fosse em si elástica”, diz Oliver Sacks em seu “Diário de Oaxaca” (Companhia das Letras, 2012).

Sacks conta que, embora Charles Goodyer tenha a reputação de ter descoberto uma borracha “altamente maleável e elástica”, tratando a goma bruta com exofre, os maias, milênios antes, já haviam desenvolvido esse processo com substâncias da floresta.

Mas mesmo que ignorássemos isso – que os mais já fabricavam calçados, brinquedos e ferramentas com borracha –, mesmo assim, de qualquer forma, o látex “em si”, sua extração, beneficiamento e uso, foram, todas, tecnologias apropriadas dos nativos, se somando a tantas outras “apropriações” (eufemismo para “roubo”), inclusive territoriais e, mais graves ainda, de obliteração cultural “em nome de Jesus” e imposição das demais “instituições civilizadas”...

Quando pensamos em impérios como a Goddyear Company, seus donos, associados ou acionistas e herdeiros, poderíamos pensar nos herdeiros dos maias, incas, guaranis, charruas etc. O que lhes restou? Gente que desenvolveu cultivares como o fumo, o milho, a mandioca (e tanta outra coisa: as especiarias, o chocolate, tecidos, tinturas, técnicas cerâmica, instrumentos de caça, domesticação de animais, arquitetura, matemática, astronomia etc.), enfim, o que ganharam os povos nativos americanos de “royalties”??

Menos que nada: ganharam o desprezo, a pobreza miserável daqueles que não reconhecem uma história milenar; não reconhecem a legitimidade do trabalho de gerações, do gênio criativo que desenvolveu tantos produtos, tantos engenhos – descobertas, invenções que começam bem antes dos Pneus Goodyear, caso do látex e da borracha...

***Sobre o jogo com bola de borracha na mesoamérica, tem esta fonte, com muitas informações didáticas e ilustrações interessantes: http://blog.sciencemuseum.org.uk/insight/2014/01/21/wonderful-things-peruvian-rubber-ball/




E o Papa decretou que capivara era peixe...

“(...) fiquei indignado, mas também achei graça, quando visitei o Pantanal brasileiro alguns anos atrás e soube que ali as capivaras – animais mansos, herbívoros, que não fazem mal a ninguém – quase foram dizimadas em certa época por causa de uma DISPENSA ESPECIAL DO PAPA decretando que na Quaresma esses mamíferos podiam ser considerados ‘peixes’ e, portanto, comidos. Um sofisma monstruoso que ainda por cima deixou as meigas capivaras à beira da extinção.”

A história é contada pelo professor de neurologia Oliver Sacks em seu “Diário de Oaxaca” (detalhes sobre o livro no link abaixo). Outro exemplo de que a falibilidade humana é geral e pode trazer consequências funestas, além de comprovar quanta arbitrariedade se ancora na mais pura bobagem.

http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13028




A ilha que está no mapa, mas não existe...

Sandy era uma ilha próximo a Nova Caledônia, na Oceania. Até 2012, quando pesquisadores comprovaram a sua “falsidade” ou inexistência, constava em muitíssimos mapas em uso. Ou seja, ainda está na maior parte dos documentos cartográficos. É um daqueles casos para pensamos em como uma suposição ou deliberada invenção pode perdurar*. Alguém, por volta de 1880, introduziu a ilha (“com dimensões similares às de Manhattan”) na confecção de um mapa, que foi sendo copiado, copiado, copiado... sem que ninguém fosse “lá” conferir – nem mesmo com todos os recursos que já existem há bons anos. O questionamento veio de um amador, que um dia, no ano de 2000, começou a “desconfiar” daquela localização sem muitas referências além do desenho no mapa, segundo diz a reportagem que saiu na National Geographic Brasil de dezembro passado.

*Lendas como o “Continente de Atlântida” e coisas assemelhadas muito provavelmente se consolidam no nosso imaginário por conta de uma reprodução acrítica, sem busca de comprovações – movidos que somos pelo “fantástico”, aderindo por uma confiança “excessiva”. Mas acho que há “mistérios” que não valem à pena. Até porque há outros muito mais instigantes, e menos propícios a nos barrar conhecimentos muito mais largos e embasados, além de maravilhosos – basta pensarmos nas descobertas e teorias da astronomia contemporânea, da física de partículas, da biologia genética, da antropologia, da paleologia etc. Como já disseram, não é preciso algum duende ou fada pairando para fazer de um jardim florido um espetáculo miraculoso. Basta a agudeza dos nossos sentidos e intelecto para se emocionar profundamente.

**Na ilustração, a “fantasma” Ilha Sandy (ao centro) em mapa alemão de 1932. Tem mais detalhes e outros mapas em http://mapsofsandyisland.tumblr.com/




“As mulheres de Buenos Aires são as mais lindas do mundo.”

Foi o que confirmou categoricamente Charles Darwin, o autor do revolucionário “A Evolução das Espécies”.

“Certamente!”, disse ele ao seu interlocutor, um capitão do exército argentino, exilado numa estância do Uruguai, nas imediações da cidade de Mercedes, postada no Rio Negro. O militar lhe indagava com uma seriedade tal, que o naturalista, ao notar o ar grave e cerimonioso que a questão começava a ser introduzida, anotou assim em seu diário de viagem em 19 de novembro de 1832: “Tremi, pensando na profundeza científica que essa pergunta pudesse ter”.

Obvio que existe aí a veia humorística tipicamente britânica, irônica, elegantemente debochada.

Mas o capitão portenho, sem nenhuma desconfiança, seguiu-se com outra “questão fundamental”:

“Tenho ainda outra pergunta: há lugar no mundo onde as mulheres usem pentes [de adorno nos cabelos, provavelmente o “peinetón**”] tão grandes?”

“Garanti-lhe, solenemente, que não”, disse de imediato Darwin. “Isso lhes proporcionou [ao capitão e a seu compadre uruguaio] o mais absoluto deleite.”

“O capitão exclamou: ‘Vejam! Um homem que viu meio mundo afirma que isso é verdade. Nós sempre acreditávamos, porém agora o sabemos como fato provado’”.

“O excelente julgamento que proferi sobre pentes e beleza feminina valeu-me o acolhimento mais hospitaleiro possível: o capitão obrigou-me a dormir em sua cama, enquanto passaria a noite em outro lugar”, regozija-se divertidamente o naturalista.

Antes desta conversa de venturoso resultado em termos de conforto noturno, Darwin observa que os homens daquela região da América do Sul, dos pampas, mesmo com todas as comprovações científicas já de séculos, “expressavam grande admiração de que a Terra fosse redonda”. Parece, hoje, um absurdo, mas é uma das outras noções contraintuitivas que a observação científica nos possibilitou, ou seja, contaria a percepção imediata, no caso, de que o planeta que habitamos seria algo como uma superfície plana infinita ou, então, uma espécie de prato irregular gigantesco, acabando em abismos intransponíveis – o “fim da Terra”.

*Aliás, ainda existe gente a tentar “provar” que a terra não é uma esfera (geoide), e sim um disco, caso do “Projeto Portal”... Mais um dos contrasserviços da pseudociência a serviço do obscurantismo e exploração da suscetibilidade humana às crendices.

**Na sempre à mão Wikipédia – desta vez em espanhol –, existe um verbete que apresenta o “Peinetón argentino: Derivado de la peineta española y tallado en carey o en asta, el peinetón fue entre 1832 y 1836 el último grito de la moda entre las porteñas.1 En su libro Couture and Consensus: Fashion and Politics in Post-colonial Argentina, Regina Root escribe que los documentos de la época describen al peinetón como un gesto de independencia femenina y diferenciación de España y cercanía a la moda francesa.” http://es.wikipedia.org/wiki/Peineta

***Na ilustração, litografías de Andrea Bacle en "Trages y costumbres de la provincia de Buenos Aires" (1833), apresentam-se modelos usando diferentes "peinetones". http://www.mdzol.com/nota/205086/




“As celebridades começaram a circular com seus lulus, e foi rápido para atingir o público de luxo.”

A declaração é de um empresário do ramo da criação de animais de estimação em Porto Alegre. Todos “de grife”, evidencia-se. Os pequenos e peludos cães spits, os “lulus da pomerânia”, que são os carros-chefes da “uma maternidade canina, climatizada, com 300 matrizes da raça”, funcionando em bairro nobre da capital.

A jornalista de Zero Hora, na edição do último dia 06/01, informa:

“A procura é tanta que, para levar um mascote, tem até lista de espera.”

Todos (ou muitos) querem ter seu cachorros, se não os “de madame”, ao menos um “meia boca”. De onde vem essa mania pet, que estruturou uma economia hoje multibilionária baseada no suposto “amor ao animais”¿

Nós, animais, convivemos com outros domesticados já há milênios. Usamo-los para diversos fins. Charles Darwin, em visita a uma estância no interior do Uruguai nos anos de 1830, no caminho de Montevidéu à Colônia do Sacramento, observou, com a sua curiosidade peculiar – misto de zoólogo e antropólogo – os cães pastores daquela região da “Banda Oriental”. Ele anota assim em “Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo” (edição da Abril Cultural), p. 45:

“Quando se passa a cavalo, é muito comum ver-se grande rebanho de carneiros guardados por um ou dois cães, à distância de vários quilômetros da casa ou homem mais próximo. Muito me admirei de ver como pudesse ter-se firmado amizade tão sólida. O processo de educação consiste em separar da cadela o cachorrinho ainda bem novo, e acostumá-lo aos futuros companheiros. Segura-se a ovelha três ou quatro vezes por dia para o animalzinho servir-se de seu leite, e prepara-se-lhe no cortelho [espécie de curral] uma cama de lã. Em hipótese alguma lhe permitem associar-se a outros cães, ou às crianças da casa. Além disso, geralmente se castra o cãozinho, de sorte que quando atinge a idade adulta, quase não possui nenhum sentimento comum com o resto da raça. Como resultado de semelhante educação, o animal não sente desejo de se afastar do rebanho, que defende religiosamente, tal qual outro cão qualquer que montasse guarda à pessoa do dono. É interessante observar, quando se aproxima de um rebanho, como o cão imediatamente avança, a ladrar, e todos os carneiros se reúnem atrás dele, como se fosse ali o carneiro mais idoso. Estes cães aprendem facilmente a levar para a casa o rebanho, a certa hora da tarde.”